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Crítica: "O Lobo Atrás da Porta" é uma grata surpresa para o cinema brasileiro

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De uns tempos para cá, a maioria dos grandes lançamentos de filmes nacionais se resumem, basicamente, a comédias estreladas por astros da TV, policiais ambientados em comunidades carentes ou cinebiografias de celebridades na música e na política, todos de olho nas bilheterias gordas que projetos como esses costumam arrecadar. Por isso, é realmente revigorante quando surge uma proposta diferente e muito bem realizada, capaz de prender a atenção durante toda a sua projeção como “O Lobo Atrás da Porta” (Idem, 2013).

A trama, ambientada no subúrbio do Rio de Janeiro, começa quando Sylvia (Fabiula Nascimento) vai buscar a filha na escola e descobre que ela foi levada por outra pessoa. Com o desaparecimento da menina, a polícia começa a investigar o caso e coloca a mãe, seu marido Bernardo (Milhem Cortaz) e a amante deste, Rosa (Leandra Leal), sob interrogatório. O delegado (Juliano Cazarré) começa a ouvir os depoimentos e começa a conhecer a história do caso entre Bernardo e Rosa. A moça, a princípio, nega o envolvimento no sumiço da menina. Mas cai em contradição e acaba se tornando a principal suspeita de um possível sequestro. As declarações revelam não só o desenrolar da traição, mas também questões relacionadas aos desejos, frustrações e outras coisas que, por mais que os três tentem, não conseguem esconder por muito tempo e que serão cruciais para elucidar o mistério.

Para contar essa história, inspirada no caso da Fera da Penha, que ocorreu nos anos 1960, o diretor Fernando Coimbra mostra uma segurança e um vigor surpreendentes para quem está em seu primeiro longa-metragem. Ele obtém um excelente resultado ao confrontar as histórias contadas por Rosa, Bernardo e Sylvia para o delegado, deixando o espectador intrigado ao tentar descobrir qual é a verdade. Além disso, o cineasta (que também escreveu o roteiro) se preocupou em desenvolver de forma satisfatória o perfil psicológico dos personagens, exibindo cada vez mais novas camadas deles, a partir do momento que uma é revelada, especialmente Rosa. No início, ela aparece como uma moça normal que vai, aos poucos, se tornando cada vez mais obsessiva e fatal, ao decidir se aproximar da esposa do amante e de sua filha, quando ele começa a se distanciar dela. Além disso, Coimbra conta com o grande auxílio de Lula Carvalho, diretor de fotografia dos dois “Tropa de Elite” e do novo “RoboCop”, que realiza um incrível trabalho. Uma sequência que vale destacar pelos seus movimentos de câmera é quando Bernardo, após discutir com Rosa, a deixa sozinha no meio da estrada. Outro mérito da produção é de mostrar imagens belíssimas do subúrbio carioca, diferentes daquelas de cartão postal da cidade e também das favelas, que já foram exaustivamente usadas em outros filmes.

Outra grande qualidade em “O Lobo Atrás da Porta” está em seu elenco, com desempenhos irretocáveis. Fabiula Nascimento constrói a sua Sylvia de uma maneira diferente do que já fez em outros trabalhos e a torna uma personagem menos expansiva e mais dócil, que não consegue perceber o perigo que está correndo. Milhem Cortaz, embora interprete mais um dos muitos machões em sua carreira, consegue imprimir uma humanidade que o impede de cair na caricatura. Thalita Carauta, que faz uma participação como Betty, uma mulher que pode estar envolvida no desaparecimento da menina, impressiona com uma atuação que em nada lembra o que já fez em humorísticos como “Zorra Total” e filmes como “S.O.S. Mulheres ao Mar”.Juliano Cazarré mostra segurança como o delegado, embora apareça pouco na trama.

Mas o principal destaque do filme é mesmo Leandra Leal, que domina todas as cenas em que está presente. Ela mostra mais uma vez porque é uma das melhores atrizes em atividade no Brasil ao criar, de forma absolutamente plausível, a transformação de Rosa, que começa como uma jovem simples e adorável a uma mulher que se descontrola aos poucos ao perceber que seu romance com Bernardo está fadado ao fracasso e descarrega toda a sua tristeza e frustração contra a família de seu amante. Além disso, a câmera parece ter se “apaixonado” por ela e nunca a desfavorece, tornando-a essencial para que o projeto seja bem sucedido. E ela retribui dando tudo de si (e talvez, mais um pouco) numa de suas melhores interpretações vistas até agora.

Com um final surpreendente (mesmo!) e eletrizante, “O Lobo Atrás da Porta” é uma grata surpresa para o cinema tupiniquim para este ano. O filme é realmente memorável e vale muito a pena ser descoberto pelo grande público, pois mostra que é possível, sim, fazer outros gêneros cinematográficos no Brasil que não sejam somente comédias descartáveis. A produção merece ser vista e revista por sua excelência e como reconhecimento pelo ótimo trabalho realizado por todos os envolvidos. Especialmente o diretor e sua principal estrela.

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