A crise econômica na Europa, que saiu de sua fase aguda, mas ainda se mostra insistente, agora ganha mais um capítulo tendo a Grécia como pivô. No entanto, a recessão que atinge diretamente a oferta de empregos no continente não é exatamente um inibidor da imigração em massa de africanos, asiáticos e oriundos de países europeus mais pobres, todos em busca de uma vida melhor nas principais metrópoles do continente como Londres, Paris e Berlim.
O cinema francês, embora considerem que sua fase áurea já ficou para trás, está sempre em relevante sintonia com a conjuntura do país e de certa forma do continente como um todo. Foi assim na época do cinema novo, contemporâneo à revolta dos estudantes parisienses e da Primavera de Praga, é assim hoje, no olho do furacão de uma crise que se arrasta desde a quebra dos bancos americanos no fatídico 2008.
A “dramédia” “Samba” (idem, França/2014), que foi uma das principais atrações do recente festival Varilux e chega agora ao circuito exibidor, se insere nesta concordância.
O filme mostra as desventuras de Samba Cissé (Omar Sy), um imigrante senegalês que vive na França há dez anos, e desde então sobrevive, como todo imigrante em condições adversas, trabalhando em vários empregos humildes. O último é em uma cozinha de hotel, lavando pratos. Após um problema burocrático que o leva a uma detenção, ele é condenada a deixar a França. Em seu caminho aparece Alice (Charlotte Gainsbourg), uma executiva sênior, que sofreu recentemente um esgotamento psicológico causado por sua função originária e, como uma espécie de terapia ocupacional, trabalha em uma ONG departamento de imigração, prestando assistência a imigrantes com problemas semelhantes ao de Samba.Enquanto o imigrante está disposto a fazer o que for preciso para obter documentos de trabalho e se manter legal na França, enquanto Alice tenta fazer com que sua vida de volta nos trilhos.
“Samba” é uma adaptação do livro “Samba pour la France” da escritora francesa Delphine Coulin e é realizado pela mesma dupla que concebeu o sucesso “Os Intocáveis”, os cineastas Olivier Nakache e Eric Toledano. Aqui eles retomam a parceria com Omar Sy, que mais uma vez interpreta o papel do “bom negro” (felizmente não há em francês a infeliz expressão negro de alma branca, mas fica subentendido).
A questão da imigração ilegal é tratada no filme sem esconder as principais implicações acarretadas pelo contexto, mas, como o filme se insere na mesma linha de produção de apelo comercial de “Os Intocáveis”, o tom da trama nunca se deixa enverdar para algo mais tenso. Toda vez que a trama ensaia se aprofundar em um drama mais agudo, surge um elemento que lhe atribui leveza, como o imigrante “brasileiro” Wilson (Tahar Rahim), que faz amizade com Samba. A cena em que se exibe para um escritório em cima do andaime em que realiza a limpeza das janelas ao som de “Palco” de Gilberto Gil é hilária.
A amizade de Alice também funciona como um belo alívio para o drama do senegalês. Na cena em que ela fala sobre compulsões acarretadas pelas pressões do trabalho que exercia, que podem ser por comida, bebida. Samba a pergunta qual foi a que ela desenvolveu e Alice responde que foi a por sexo, brincando com o rapaz e ao mesmo tempo uma piada do script com seu papel em “Ninfomaníaca” de Lars Von Trier.
Em última análise, Samba logra êxito em sua proposta de apresentar um tema delicado com certa leveza, assim como os cineastas fizeram em seu sucesso anterior. E nós embarcamos na trajetória do simpático imigrante ilegal, mesmo sabendo que em 99 por cento dos casos semelhantes leveza é a última coisa que podemos encontrar.
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