O autor inglês Nick Hornby se tornou o queridinho da cultura pop depois do sucesso “Alta Fidelidade”. A história do dono de uma loja de discos com fixação por listas musicais (além de ser um imã de “pés-na-bunda”) conquistou fãs no mundo inteiro e influenciou blogs e sites da internet especializados em listas temáticas. Outro personagem marcante foi o crianção de 38 anos de “O Grande Garoto”. Com um universo de personagens singulares e cativantes, sua obra logo atraiu os interesses do cinema. Foram quatro adaptações de sua bibliografia composta por 10 títulos, sendo que “Fever Pitch” (ou “Febre de Bola”), ganhou duas – uma britânica, em 1997 e uma americana dos irmãos Farrely em 2005.
A última adaptação para as telonas de um livro do escritor é “Uma Longa Queda” (“A Long Way Down”, Reino Unido/ 2014), dirigida por Pascal Chaumeil. Trata-se da história de quatro estranhos que se conhecem sobre o telhado de um alto edifício chamado Toppers’ House, em Londres, na véspera do Ano Novo: o ex-apresentador de T.V., Martin Short (Pierce Brosnan), Maureen (Toni Collete), a mãe solteira de um deficiente, Jess (Imogen Poots), uma jovem com problemas familiares e o americano J.J. (Aaron Paul) – cada um deles com a intenção de cometer suicídio. Seus planos de morte solitária, no entanto, são arruinados devido ao encontro imprevisto. O acaso faz com que se reencontrem e se importem uns com os outros. A história do quase suicídio dos quatro fica conhecida (por ter uma estrela de TV envolvida), e eles decidem lucrar com isso dando entrevistas e aparecendo na mídia. Porém, cansados de tanta exposição, decidem sair de férias para um destino turístico. A convivência faz com que trabalhem seus problemas e frustrações, que seriam o estopim para o suicídio.
Aqueles que conhecem o autor apenas pelas adaptações cinematográficas podem ter uma ideia equivocada de sua essência. Apesar de toda veia pop, ele é mestre em construir dramas existenciais contundentes, que ficam em segundo plano nos filmes, em detrimento da face mais engraçadinha (e vendável) das obras. Essa adaptação de “Uma Longa Queda” não chega a cometer esse equívoco, justamente porque a trama não dá margem para isso. A película é bem realizada, tem o drama como ponto central, com piadas em segundo plano, apenas para amenizar em alguns momentos, mas acabou sendo prejudicada pelo processo de mudança de mídias. O que foi bem desenvolvido na obra original acabou ficando superficial no filme.
A versão em livro permitia até alguns devaneios surreais de Hornby, que no filme não são sequer pincelados. A narrativa segue mesmo o modelo convencional, mas, pelo menos, Chaumeil e o roteirista, Jack Thorne, souberam captar a ironia e a acidez típica do autor (e dos ingleses de modo geral). Claro que há muitas mudanças e licenças narrativas, a começar pelo clímax e o desfecho. No livro cada um dos personagens narra seus pontos de vista, com opiniões peculiares, expondo suas impressões; no filme o recurso é usado apenas para pontuar a abertura de algumas sequências, possivelmente pelo pouco tempo para aprofundar a singularidade de cada um. Daí suas angústias não ficam muito claras (com exceção de Maureen). Já o Martin de Pierce Brosnan parece fanfarrão demais para alguém que questiona o valor de sua existência. O filme termina e não se entende exatamente o verdadeiro porquê de J.J. querer dar fim à sua vida.
A culpa não é do elenco, que está no tom certo, mas de uma certa urgência do roteiro que comprometeu a profundidade dramática. Contudo, analisando pura e simplesmente como cinema, o filme não se sai mal. Dosa o drama com momentos de humor, por vezes negro, a contento, mas não vá esperando listas, trilha sonora pop rock e outras referências a todo o momento. Elas estão lá, mas muito timidamente. Certamente é o livro mais ingrato de Nick Hornby para se levar ao cinema comercial, mas, mesmo com algumas escolhas erradas de adaptação, como descaracterização e supressão, o balanço é favorável.
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