Adaptar Duna para o cinema é uma tarefa tão hercúlea quanto fazer uma versão cinematográfica de “O Senhor dos Anéis”. A obra de Frank Herbert que redefiniu a ficção científica se passa em um mundo rico em detalhes criados pelo autor, que seriam impossíveis de caber em um único longa-metragem. Houve uma empreitada em 1984, dirigida por David Lynch, mas que sofreu duras críticas na época. A minissérie de 2000 teve reconhecimento dos fãs por sua fidelidade à matriz literária, mas o fato de ser muito voltada para a bolha e os efeitos especiais limitadíssimos afastaram o público mais amplo. E ainda houve o filme do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky nos anos 70, que não chegou a sair do papel, tido como um verdadeiro Santo Graal pelos admiradores de “Duna”. Ocorre que o cineasta tinha ideias tão peculiares para sua adaptação que certamente irritaria muito boa parte dos admiradores de Herbert. Pulamos para o final da década passada, quando o cineasta Denis Villeneuve, tal qual Peter Jackson com a saga de Tolkien, assumiu a tarefa de trazer o que pretendia ser a versão audiovisual definitiva de “Duna” em um ambicioso projeto dividido em duas partes (para caber pelo menos boa parte do que consta nas páginas do livro).
“Duna: Parte Dois” se inicia pouco depois dos eventos intensos e dramáticos de “Duna: Parte Um”. O jovem herói Paul Atreides, agora consolidando seu poder como o líder messiânico do povo Fremen, enfrenta desafios ainda maiores enquanto luta para unir os habitantes do árido planeta Arrakis contra as forças opressoras do Império Galáctico. Com a ajuda de sua amada Chani e de seus aliados leais, Paul embarca em uma jornada para libertar seu povo e garantir o futuro daquele mundo. Enquanto isso, intrigas políticas e conflitos se intensificam em toda a galáxia, deixando Paul e seus seguidores em uma corrida contra o tempo para evitar a destruição total.
Assim como Star Wars e tantas outras obras do universo fantástico, “Duna” é a saga de um escolhido. No entanto, há espaço para tramas políticas (simplificadas aqui) e questões religiosas. O caminho de Villeneuve foi se ater a esses dois pilares. Mesmo com supressões (a pauta ecológica é um exemplo), o roteiro escrito pelo diretor juntamente com Jon Spaihts acerta por trazer uma transposição adequada para a telona, com espaço para desenvolver a contento os personagens e o desenrolar dos fatos, porém sem perder a objetividade.
Villeneuve confirma nessa segunda parte da saga que foi, de fato, a melhor escolha para comandar a adaptação. O cineasta já havia mostrado seu domínio imagético no campo da ficção científica em “A Chegada”, e em “Duna 2” ele vai além. Amparado pelo belíssimo trabalho de fotografia de Greig Fraser, o diretor vai mixando paletas de cores de acordo com a perspectiva da trama e dos próprios personagens, fazendo algo de marejar os olhos do mais exigente fã da obra de Herbert. As tonalidades alaranjadas do planeta desértico Arrakis (conhecido como Duna, daí o título), vistas em diversas ilustrações desde os anos 60, são mostradas com fidelidade ao imaginário coletivo dos leitores ao longo dessas quase seis décadas. E a trilha sonora de Hans Zimmer continua emoldurando de forma magistral o épico. Ainda que o compositor recorra a clichés, até eles parecem se encaixar perfeitamente.
Havia expectativa em relação ao desempenho de Timothée Chalamet como Paul Atreides nesse momento em que o personagem carrega a trama em suas costas. Em uma atuação sem sair do tom, ele transmite satisfatoriamente – com sutileza, através de olhares – o peso e a dúvida de ser visto como o messias e a sede de vingança que conflita com as nobres intenções de libertar o povo do deserto. Do lado oposto está Feyd-Rautha, sobrinho do barão Harkonnen, que é interpretado por um inspirado (e assustador) Austin Butler, que incorpora o vilão de uma forma muito mais ameaçadora que fez Sting na versão de 1984. Mas os grandes destaques são as atrizes. Lady Jessica, interpretada por Rebecca Ferguson, expande ainda mais sua relevância, enquanto a Chani de Zendaya é a força motriz dessa parte 2. Léa Seydux e Florence Pugh têm papéis relevantes, embora com pouco tempo de tela. Já Christopher Walken traz a devida altivez ao Imperador, ao mesmo tempo em que demonstra uma certa arrepsia e fragilidade.
“Duna: Parte Dois” é superior à parte1 pois, uma vez que o universo já foi devidamente apresentado, pôde ser melhor explorado (com um design de produção impressionante), além de trazer mais ação. Ainda que cenas de batalha em larga escala não sejam exatamente o forte de Villeneuve, o realizador consegue impor bom ritmo e trabalha muito bem as tensões entre os personagens. É claro que fãs sem dúvida não se incomodariam se o livro tivesse sido adaptado em três filmes ou que os dois longas tivessem uma duração maior para caber algumas passagens importantes da matriz que ficaram de fora. Mas é inegável a excelência como obra cinematográfica. Obrigatório não só para os doutos na criação de Frank Herbert, mas também para fãs de ficção científica em geral. De preferência em telas IMAX.
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