Ao nosso corpo fechado existe um mundo lá fora. Um mundo onde existem pessoas em um balé nos contornando em objetivos cheios de desejos. E neste espaço entre pessoas se projetam as relações – pontes interligadas de fios condutores que são a pele; os olhos e a boca. A voz clama o contato, a fala ama o sujeito. Mas para Ingrid (num trabalho meticuloso da atriz Ellen Dorrit Petersen, morando num apartamento branco e espaçoso, a visão que lhe falta localiza-a numa zona fronteiriça entre o real mediado pela sua audição e tato e sua imaginação preenchida em certas tensões afetivas por qual ela passa. Ao se tomar conta de si (no espaço do lugar), Ingrid percebe que morre de curiosidade de que seu marido possa estar dentro do apartamento a observando sem que ela o capte em sua presença. Essa percepção de que ele possa a estar observando sem ela perceber, de certa maneira, a faz devolver a pergunta: qual meio mais eficaz de se manter conectado mediante uma tal deficiência?
Quando o marido dela busca uma outra relação há nesta aproximação com outra mulher uma faísca muito bem potencializada pelo diretor norueguês Eskil Vogt que irá fazer seu filme – “Blind” – voltear uma outra linha narrativa mais tensa. Quando o marido percebe que esta nova conquista é uma relação onde existe uma fragilidade a ser trabalhada por parte dele em relação à mulher que acaba de perder a visão, a parte “dita” realista do filme vai se (dês)norteando numa nova estrutura narrativa, e Ingrid já convicta de que tem alguns poderes além dos naturais – Como na cena que ela mesmo aparentemente dormindo percebe através da batida das teclas que o marido faz no computador na cama, que ele está falando de sexo com outra mulher. É como se a audição dela fosse treinada para ter poderes visionários. Há uma relação entre áudio que ela treina ouvindo música e uma voz narrativa (que ela começa a dominar), pois a personagem começa a interferir na cena do marido traindo, quase como se ela botasse rubricas auditivas para a outra falar. E neste caso a mulher que está com seu marido não está habituada como Ingrid com a falta da visão.
Há nesta possibilidade uma nova forma de aceitação e fortalecimento da auto estima da protagonista, ela se vê como uma fabulista da ficção mexendo nos fios auditivos, além do mais tem o poder de envolver o marido em tomadas de decisões e posições. O filme passa então a contornar as questões das minorias; da interiorização de um pêndulo que se vê privado de um movimento de convivência e como ele poderá externar este movimento que foi fechado ao mundo externo e já envolvê-lo num abraço.
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