Dirigido por Courtney Stephens e co-criado por Callie Hernandez, “Invenção” segue uma linha bastante atual e presente em vários outros filmes da seleção do Olhar deste ano, de jogar com as fronteiras entre verdade e ficção.
A trama elabora em cima de situações reais vividas pela atriz durante o processo de luto de seu pai, John Hernandez, marqueteiro místico do bem estar, muito conhecido nos anos 90 e 2000, com diversas aparições televisivas e comerciais.
As duas artistas se conheceram 10 anos atrás e desde 2021 queriam realizar um projeto juntas. Perceberam, através de suas conversas, que havia algo de instigante a ser explorado nessa relação da perda da figura paterna, mas sobretudo na elaboração pós mortem em torno da mitologia pessoal de alguém que carregava tantas narrativas ambíguas.
No filme, Carrie (quase um homônimo de Callie Hernandez), ao lidar com as burocracias da herança, se vê tendo que decidir se quer ou não manter a patente de uma máquina de cura, supostamente milagrosa, inventada por seu pai. Começa então um processo de busca investigativa de documentos e pessoas envolvidas, no qual nossa protagonista conhece antigos investidores frustrados, amigos e pacientes.

Típico do estilo de filmes independentes realizados em pequenas cidades americanas, cada encontro parece pertencer a seu pequeno mundo próprio, com personagens excêntricas e cativantes. Não a toa, há uma cena na qual Carrie e um homem com quem vive um breve flerte/romance, encontram um cenário de Alice no País das Maravilhas dentro de um labirinto feito em um milharal. Também em Alice, a trama vai sendo construída a partir de diferentes encontros com personagens bastante peculiares, cada um com seu discurso e especulações/versões de uma mesma busca.
Apesar deste ser o filme mais clássico narrativo de Courtney, cuja trajetória artística está mais alinhada com o documentário e o cinema experimental, “Invenção” abre diversas brechas para a fricção entre elementos que dialogam com estes outros gêneros.
A própria escolha de usar Super16mm já estabelece uma atmosfera bem específica, quase mística, evocada tanto por sabermos que os recursos analógicos são finitos e que cada cena acaba sendo um acontecimento, como também pela textura poética, sobretudo ao filmar detalhes cíclicos na natureza. Essa atmosfera dialoga diretamente com a busca de Carrie em seu dilema pessoal entre o ceticismo e a reconexão emocional com seu pai.
O jogo de cena se dá pela mistura entre as imagens de arquivo VHS de John Hernandez; sonoridades e pequenos trechos da gravação que revelam a mise-en-scène; participação de figuras do cinema alternativo como o diretor Joe Swanberg, Caveh Zahedi e James Kienitz Wilkins e o constante registro do improviso dentro de situações sugeridas e co-criadas com os (não) atores. Tudo isso inspirado por elementos, conversas e personagens que realmente fizeram parte da experiência de pesquisa e produção. Vários dos objetos usados no filme, por exemplo, pertenciam ao acervo de John, até mesmo a misteriosa máquina de cura.
No final das contas, fica a critério do espectador decidir se acredita ou não na eficácia do tal aparato, nas teorias conspiratórias e em todo o impulso científico-mágico do pai de Carrie.
De forma bastante resumida, “Invenção” consegue conjugar em seu estilo bastante original, um gênero híbrido entre cômico, experimental e drama investigativo que acaba gerando um resultado divertido, bonito, genuíno e intrigante.
*Invenção faz parte da Mostra Novos Olhares, no 14a Edição do Festival Internacional Olhar de Cinema.









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