“A Lenda da Espada” coloca Rei Arthur a serviço dos maneirismos de Guy Ritchie

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Bem antes de “Game of Thrones”, existia o Rei Arthur. Assim como Sherlock Holmes, o épico medieval teve tanta penetração no imaginário coletivo que é possível duvidar se de fato seu protagonista não existiu. A veracidade dos Contos Arturianos são motivos de debate entre acadêmicos até hoje. Há uma escola de pensamento que vê Arthur como uma figura histórica genuína, um bretão-romano que lutou contra os invasores anglo-saxões em algum período no final do século V e início do século VI. Uma compilação histórica latina do século IX, contém a primeira descrição detalhada sobre o Rei Arthur, descrevendo doze batalhas em que o lendário líder lutou. Elas culminaram na Batalha do Monte Badon, onde é dito que ele matou sozinho 960 homens.

Arthur é a figura folclórica mais controversa da História ocidental. Por isso, a literatura Arturiana, que floresceu no século XII a partir dos romances do francês Chrétien de Troyes (que trouxe os Cavaleiros da Távola Redonda aos holofotes) possui tanta força. A popularidade dessa história, que sofreu um declínio após a era medieval, foi resgatada no século XIX e se perpetua até hoje, transmigrando-se para outras mídias como a TV e, principalmente, o cinema.

A mais nova adaptação é “Rei Arthur: A Lenda da Espada” (King Arthur: Legend of the Sword, EUA/GB, 2017), sob uma roupagem pop engendrada pelo inglês Guy Ritchie. Essa adaptação tem contornos Á La Moisés (ou Superman), trazendo Arthur (Charlie Hunnman) como um órfão criado em um bordel depois de presenciar seu tio Vortigern (Jude Law) abater seu pai, o Rei Uther Pendragon (Eric Bana). Em uma montagem frenética (recurso tão caro a Ritchie para reconstituições e explanações em suas narrativas) somos levados para a próxima década de Arthur aprendendo a sobreviver nas ruas de Londres (ou melhor, Londinium) com a ajuda de um mestre aleatório de kung-fu (!!!).

Como Vortigern ganha cada vez mais poder, Arthur vive em obscuridade protegendo seus amigos e prostitutas da casa onde fora criado. Tudo muda no dia em que a espada mágica Excalibur emerge das águas abaixo da torre de Vortigern, e o rei maléfico encomenda a cada homem no reino que encontre o filho de Uther – supostamente o único que pode puxar a espada da pedra – e matá-lo antes que ele se eleve ao trono da Inglaterra. Arthur é salvo pela versão dos Cavaleiros da Távola Redonda, liderados pelo Sir Bedevere (Djimon Hounsou), e sob a guia de A Maga (Astrid Berges-Frisbey) irá cumprir seu destino.

Com algumas licenças poéticas (que podem incomodar um ou outro purista), o ex-marido de Madonna reveste a lenda com seus característicos maneirismos, como fizera com Sherlock Holmes. A ideia é, na verdade, mostrar o que seria uma “verdadeira história”, ou “a história não contada” do personagem. “A Lenda da Espada” não vem com o desiderato de tomar o lugar de “Excalibur” como a versão cinematográfica definitiva do mito medieval inglês. Estabelecendo um paralelismo com Romeu e Julieta, estaria mais para “Romeu + Julieta” de Baz Luhrman, enquanto o filme dirigido por John Boorman estaria para versão de Franco Zeffirelli.

Guy Ritchie certamente quis coadunar Arthur com a atual leva de filmes de super-heróis. O tom imprimido pelo cineasta, e a estrutura do roteiro se encaixariam perfeitamente em um filme da Marvel ou da DC. Em alguns aspectos até se assemelha a “Batman Begins”. Apesar de propôr uma visão alternativa, a pompa não foi deixada de lado.Todas as peças são dispostas a serviço do espetáculo. Direção de arte suntuosa, ótimos efeitos em 3D estereoscópico e uma trilha sonora colocada de modo sobressalente, ao contrário da tendência atual de se utilizar a música apenas para criar textura na cena.

O curioso elenco apresenta desde um Jude Law sempre a um passo da caricatura até um (sabe-se lá por que) David Beckham dando o ar da graça como ator. O ex-craque do Manchester United já havia feito uma participação no filme anterior de Ritchie, “O Agente da U.N.C.L.E”. No papel-título, a interpretação agreste de Charlie Hunnam é a adequada à proposta do cineasta. Ritchie abusa de seus recursos estilísticos e usa um linguajar praticamente contemporâneo em um proposital exercício de desconstrução. O roteiro flui acertadamente até o terço final, quando peca pela previsibilidade.

O grande mérito de “Rei Arthur: A Lenda da Espada” está na determinação de Guy Ritchie em moldar um mito essencial na cultura britânica e ocidental à sua maneira, mais do que a gosto da indústria. Apesar de alguns equívocos (a Excalibur aqui é muito mais um instrumento do que um artefato místico em torno do qual deveria girar a trama, por exemplo), é uma proposta artística que não merece menoscabo.

Filme: “Rei Arthur: A Lenda da Espada” (King Arthur: Legend of The Sword)
Direção: Guy Ritchie
Elenco: Charlie Hunnam, Jude Law, Astrid Bergès-Frisbey, Djimon Hounsou, Aidan Gillen e Eric Bana
Gênero: Ação/Aventura
País: EUA/Austrália/Reino Unido
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Warner Bros.
Duração: 2h 6 min
Classificação: 14 anos

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