No último mês de agosto, o grande vencedor do Festival de Cinema de Gramado foi Noites Alienígenas, primeiro filme rodado com elenco e equipe do Acre. Agora, junta-se ao panteão de estados brasileiros que fazem filmes o Tocantins, estado mais jovem do país. E a estreia vem com um filme extremamente atual, contundente e engraçado: O Comedy Club.
Daniel (Manoel Medeiros) e seu primo saíram do Tocantins e foram para São Paulo, onde trabalham como garçons num clube de stand-up. Quando Daniel é apresentado aos comediantes do local, ouve as típicas piadinhas sem-graça no estilo “já colocaram Tocantins no mapa”, “se você saiu de lá, não ficou ninguém” e “tem jacaré andando na rua lá?”. Com seus causos tocantinenses, Daniel acaba conquistando o público do clube – e o filme poderia ter acabado ali, com o sucesso como comediante em São Paulo, mas não acaba, ainda bem. Daniel precisa voltar para o Tocantins, mas levando consigo o sonho de viver de stand-up. E é assim que Daniel decide montar seu próprio comedy club.
Além de Daniel, outro personagem muito engraçado é o prefeito Malaquias (Paulo Carvalho, que faz dois papéis). Há 30 anos no poder, ele é alvo de críticas dos que se apresentam no clube de comédia, com estas críticas gerando sempre muitas risadas. Quando descobre que sua chacota faz a população rir, o prefeito, tal qual muito coronel no interior, decide fechar o estabelecimento. As interações do prefeito com seus empregados, incluindo o presidente da Câmara que é seu filho, são cheias de pérolas cômicas para nosso deleite.
Como qualquer produção cinematográfica, O Comedy Club bebe da fonte de seus antepassados. Daniel e os outros comediantes que ele arranja já no Tocantins precisam aprender sobre comédia, e para isso estudam as chanchadas de Oscarito e Grande Otelo, bem como as carreiras cômicas de grandes nomes como Chico Anysio e Jô Soares. Outras inspirações vêm mais de longe: é impossível não pensar na mãe sempre oculta de Howard de The Big Bang Theory quando ouvimos apenas a voz, sem ver o rosto, da mãe de Daniel, dona Germana, a terrível.
O contraste entre a metrópole e a cidade interiorana tocantinense – aqui a fictícia Xambyvydadde do Lago – é óbvio e, em São Paulo, gerador de risadas. O que é o stand-up do pessoal da capital se não a contação de causos no interior, com um grupo de amigos reunidos ao redor de uma mesa de bar?
O Comedy Club não é perfeito e nem poderia sê-lo. Estrear no mundo dos longas-metragens com perfeição é tarefa quase impossível. Mas nem por isso ele deixa de valer a pena: o filme dialoga com o Brasil de ontem, de hoje e que esperamos que não seja o de amanhã. Fala sobre a liberdade de expressão e liberdade de riso frente aos desmandos políticos. Como Daniel coloca: “um tirano por até se esconder de seu retrato, mas não consegue se esconder de sua caricatura”.
Transpirando brasilidade – as vezes em que Daniel diz “para tudo dá-se um jeito” nos fazem lembrar de discurso semelhante em Marte Um, representante do Brasil no Oscar – o filme homenageia grandes comediantes do passado, mas não sem vislumbrar o futuro: um futuro em que se faça cinema, bom cinema, no país inteiro – incluindo o Tocantins.
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