Peter Bogdanovich (1939-2022) pertenceu a uma geração que mudou a história do cinema. Junto com Francis Ford Coppola (1939), Martin Scorsese (1942), Steven Spielberg (1946), William Friedkin (1935), Brian De Palma (1940) e George Lucas (1944), fundou um novo olhar ao cinema dos EUA.
Embora hoje seu nome seja menos famoso que os de seus contemporâneos, sua filmografia e sua maneira de amar e ver o cinema clássico fizeram dele uma peça fundamental da história da sétima arte.
À sua maneira, Bogdanovich era como os diretores franceses da nouvelle vague, aqueles que tinham cinema nas veias, que primeiro escreviam sobre cinema e depois se dedicavam para fazê-lo. Sua filmografia tem vários títulos que hoje são clássicos, filmes que foram uma homenagem e traziam uma inovação.
Durante vinte anos, trabalhou como jornalista de cinema e se aproximou de figuras tão indescritíveis quanto John Ford (1894-1973), Howard Hawks (1896-1977) ou Orson Welles (1915-1985).
Os dois primeiros, eram perseguidos por ele nos sets de filmagem, perguntando e interessado por seu trabalho; Welles se tornou seu amigo e até conviveu com ele quando foi casado com Cybill Sheperd. Escreveu um livro sobre Ford, outro sobre Fritz Lang e vários trabalhos monográficos sobre Alfred Hitchcock, Don Siegel, entre outros. Seu trabalho mais famoso é Citizen Welles, um enorme livro sobre Orson Welles, publicado depois da morte do cineasta.
Filmografia
A filmografia de Bogdanovich era de um cinéfilo, embora não precisemos ser um para apreciar seus filmes. Seja com baixo orçamento, no qual dirigiu Na Mira da Morte (Targets, 1968), produzido por Roger Corman (1926) e com o incomparável Boris Karloff (1887–1969), à reconstrução de um crime em torno da figura de Charles Chaplin em O miado do gato (The Cat’s Meow, 2001), seu trabalho respirava amor pelo cinema.
Suas duas produções mais famosas foram A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show, 1970) e Lua de papel (Paper Moon, 1973), ambas em P&B, algo que já não era habitual.
O primeiro filme era sobre uma pequena cidade do Texas isolada que agonizava com as mudanças da época. O segundo filme era uma comédia sobre um pai e uma filha que se dedicavam a fazer pequenos golpes durante o período da Grande Depressão nos EUA. Foram sucessos de público e crítica e se conectavam de maneira fortemente com o cinema clássico de Hollywood, em todo sentido.
Lua de papel, protagonizada por: Ryan O’Neill (1941) e Tatum O’Neill (1963). A química entre ambos é incrível e o filme emociona como também diverte. Parece uma obra de outra época, no melhor sentido. Welles aconselhou o diretor a poder filmar em P&B adequado, e a influência dos mestres é vista em cada tomada. Com apenas 10 anos, a jovem protagonista acabou ganhando o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante (1973).
Continuando com o amor pelo cinema clássico, outro grande sucesso de Bogdanovich foi Essa Pequena é uma Parada (What’s Up, Doc?, 1972): título em homenagem a Pernalonga (Bugs Bunny). Ryan O’Neill e Barbra Streisand (1942) são o casal protagonista desta louca história que remete às grandes comédias de Hollywood.
Um Sonho, Dois Amores (The Thing Called Love, 1993) é outra das joias esquecidas do diretor. Tem um elenco de destaque: River Phoenix, Samantha Mathis, Sandra Bullock e Dermot Mulroney, que protagonizam esta história sobre jovens em busca de sucesso em Nashville, capital da música country.
Bonito e melancólico, o filme também foi o último filme que River Phoenix filmou antes de morrer. Em uma cena, como esperado, assistem O Homem Que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962), de John Ford, em um drive-in.
Muitos outros títulos de Bogdanovich valem ser mencionados: No Mundo do Cinema (Nickelodeon, 1976), sobre dois caras que entram acidentalmente na produção cinematográfica nos anos 1910; O Tatuado (Saint Jack, 1979), um estudo de personagem atraente, girando em torno de Jack Flowers (Ben Gazzara (1930–2012), um traficante americano que tenta fazer sua fortuna na Cingapura dos anos 1970 como cafetão; Muito Riso e Muita Alegria (They All Laughed, 1981), uma comédia com dois detetives se apaixonando por suas investigadas; Marcas do Destino (Mask, 1984) e Texasville (1990).
Fora da direção, o rosto de Bogdanovich é também conhecido pelos espectadores, mesmo por quem não o identifica como o grande cineasta que foi. Teve papéis em muitos filmes, alguns dirigidos por ele, mas também trabalhou para outros. Assim como venerava os mestres, por sua vez foi homenageado por muitos cineastas que reconheceram sua importância para o cinema.
Qualquer documentário relacionado a John Ford, Alfred Hitchcock, Orson Welles ou Howard Hawks terá Bogdanovich dando testemunho. Mais de duzentas vezes apareceu falando sobre o cinema clássico: seja sobre John Wayne, Audrey Hepburn, Natalie Wood ou Jerry Lewis, sua presença generosa nunca faltou, contando histórias em primeira mão e analisando as questões em profundidade. O próprio Bogdanovich dirigiu vários documentários sobre cinema, sendo Dirigido por John Ford obrigatório.
É reconhecido pelos espectadores do século XXI foi sua participação em Os Sopranos (The Sopranos, 1999/2007, disponível na HBO Max), série que interpretou o doutor Elliot Kupferberg, el supervisor da doutora Melfi (Lorraine Bracco), a terapeuta de Tony Soprano (James Gandolfini). Foram 14 capítulos que atuou, mais outro que dirigiu. Bogdanovich pode ter perdido visibilidade, mas a marca de seu trabalho está em todos os lados.
Bogdanovich é a grande ligação entre os mestres do cinema clássico e aqueles que nasceram depois dessa idade de ouro. Só isso já merece um lugar de privilégio na história do cinema. Mas ele também foi uma pessoa generosa que compartilhou seu amor pelo cinema em várias obras-primas. Quem nos trouxe a história do cinema faz parte dela e cabe a nós manter vivo o seu legado.
Gostei bastante do seu texto conciso sobre o Bogdanovich, amigo.
Concordo com vc, Marco!