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"Poderia me Perdoar?" se vale do esforço de Melissa McCarthy para sair da caixinha

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Antes de tudo, comediantes são atores e atrizes, embora muita gente não se dê conta ou despreze esse fato. Por isso, astros que se consagraram na difícil arte de fazer rir, como Jim Carrey e Adam Sandler volta e meia se arriscam ao interpretar personagens que são completamente fora dos padrões que o público se acostumou a ver, obtendo resultados impressionantes, dramaticamente falando. Basta ver o trabalho que os dois citados fizeram em produções consagradas, como “O Show de Truman”, “O Mundo de Andy” e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (Carrey) ou “Embriagado de Amor”, “Reine Sobre Mim” e “Homens, Mulheres e Filhos” (Sandler).
A mais recente artista a mostrar que pode fazer mais do que geralmente exibe no cinema e na TV é Melissa McCarthy, que poderia ficar confortavelmente no nicho em que se consagrou e continuar a fazer as comédias que os espectadores em geral adoram assistir com ela. Mas decidiu arregaçar as mangas e abraçou um projeto menor, mas que poderia potencializar seu (pouco conhecido) talento para dramas. Felizmente, seu trabalho em “Poderia me Perdoar?” (“Can You Ever Forgive Me?”, EUA, 2018) se mostra bastante consistente e conseguiu o destaque necessário para marcar presença em indicações para os principais prêmios de 2019, inclusive o Oscar. Ela se torna um dos principais motivos para assistir ao filme com interesse, mesmo que a obra, ainda que bem realizada, esteja longe de ser memorável.

Inspirada em fatos reais, a trama conta a história de Lee Israel (Melissa McCarthy), uma escritora solitária que enfrenta uma profunda crise ao não conseguir ter suas obras publicadas por não despertarem o interesse do grande público, durante a década de 1990. Sem ter dinheiro para se sustentar nem para cuidar da sua gata, ela acaba descobrindo o lucrativo mercado de compra e venda de cartas e manuscritos de autores famosos e decide criar novos documentos, que a ajudam a sair do buraco financeiro e contribuem para a recuperação de sua autoestima. Paralelo a isso, Lee acaba criando uma amizade com Jack Hock (Richard E. Grant) que, assim como ela, gosta muito de beber e também é marginalizado, o que ajuda a torná-lo seu cúmplice em seus golpes.

Assim como no vencedor da Palma de Ouro “Assunto de Família” ou em “A Mula”, o mais recente filme dirigido e estrelado por Clint Eastwood, “Poderia me Perdoar?” faz parte de uma série de produções recentes que mostram personagens realizando ações moralmente questionáveis, ainda que despertem simpatia do público. E isso é um dos maiores méritos do drama, já que mesmo que o espectador perceba e condene as medidas de Lee para enganar as pessoas, ele também se torna cúmplice dela e deseja que ela se dê bem no fim das contas, já que a escritora atravessa um processo para se tornar uma pessoa mais sociável, mesmo que essas mudanças não sejam tão rápidas ou extremas.
A direção de Marielle Heller dá o toque exato para essa transformação, que jamais é piegas ou apelativa, e trabalha bem a cumplicidade entre os protagonistas. Só faltou um pouco mais de personalidade para conseguir um resultado final mais marcante.

O roteiro, assinado por Nicole Holofcener, ganha pontos ao não mostrar seus personagens como pobres injustiçados. Embora Lee sofra com a dificuldade em ser bem sucedida como escritora, o texto mostra que ela também não torna fácil a sua vida por ser turrona e ácida demais com as pessoas ao seu redor. Isso fica claro numa cena em que uma pessoa tenta se aproximar mais dela durante um jantar e a protagonista, assustada com a situação, logo dá um jeito de cortar a intimidade, por simplesmente não saber lidar com ela.
Já Jack, embora divertido, também não apresenta grandes qualidades como ser humano e são justamente seus erros que o impedem de ter uma vida melhor do que possui, embora demonstre em alguns momentos uma inusitada ingenuidade, que ajuda a torná-lo mais humanizado. E isso também contribui para conquistar a audiência.
Assim, os grandes destaques de “Poderia me Perdoar?” vai mesmo para seus principais intérpretes. Melissa McCarthy, como escrito anteriormente, segura adequadamente o tom melancólico e sarcástico de Lee Israel, nunca a transformando numa caricatura, já que essa é uma armadilha que outras atrizes facilmente cairiam na hora de compor sua personagem. Richard E. Grant, que já mostrou bastante competência em outras produções, tem aqui um dos momentos mais marcantes de sua carreira e sempre chama a atenção quando está em cena, fazendo uma dupla e tanto com McCarthy. Não é à toa que os dois foram indicados ao Oscar 2019 e, mesmo que não levem a estatueta dourada para casa, merecem todos os elogios que receberam nesta temporada. O restante do elenco, embora competente, não chega a chamar a atenção.

“Poderia me Perdoar?” pode não ser o filme mais marcante da atual temporada, mas está longe de dar a impressão de que o público vai jogar o dinheiro fora por vê-lo no cinema. A obra vale para ver que certos esforços merecem ser recompensados e dá vontade de conferir mais produções com atores que desejam mostrar que são capazes de realizar feitos muito maiores e mais inusitados do que se possa imaginar. Basta dar a eles uma chance para saber se dão conta do recado ou não. Felizmente, aquela que era mais conhecida por piadas de gosto duvidoso envolvendo sua forma física e seu linguajar provou que, sim, ela pode. E sem precisar pedir desculpas para ninguém.

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