A propriedade de uma cinebiografia está na capacidade do filme em captar a propriedade de seu biografado. Parece lógico, mas a prática sempre mostra o contrário, vide o superestimado Bohemian Rhapsody que parece querer cristalizar um Freddie Mercury que na verdade sempre se relativizou. Ou seja, o filme empalidecia sua principal matéria prima dramática. Apesar de conduzido pelo mesmo diretor, Rocketman faz o caminho inverso: ao invés de idealizar uma representação de Elton John, retrata-o pelas perspectivas do que o representa até hoje.
O roteiro de Lee Hall (de Billy Elliot e Cavalo de Guerra) estrutura todo o retrospecto do cantor através de uma narração confessional numa espécie de reunião de Alcóolicos Anônimos, onde um inspiradíssimo Taron Egerton vai descamando a complexidade emocional do homem paralelizando o artista que se tornou. Se o roteiro achou uma maneira esperta de organizar essas ideias, a direção também busca imprimir a estética onírica e extravagante para melhor defini-lo imageticamente.
O diretor Dexter Fletcher empreende uma verdadeira viagem alucinógena que envernizou com potencia seu DNA musical, o que funcionou perfeitamente nos temas espinhosos de sua vida como os problemas com drogas, conflitos pessoais pela carência afetiva, a indiferença da família, o peso da sexualidade e até a exploração de seu eminente sucesso.
Fletcher orquestra bem o uso que faz dos excessos pessoais e visuais de seu biografado e seu filme, tanto que nos momentos mais singelos – como a relação de Elton com seu melhor amigo e compositor Bernie Tapin (Jamie Bell) – esse equilíbrio entre o homem e sua persona é muito sólido.
A obra de Elton permeia o filme em escolhas assertivas. Não só as letras fazem sentido como dimensionam o talento extraordinário do cantor. Nisso o filme não se intimida em reforçar, assim como um excesso de sentimentalismo em muitos momentos (como a catarse final). Mas dentro do genial circo de Elton John também tem sua dose de cafonice, e talvez a história procure acampar todas essas suas vertentes.
O conjunto resulta tão bom, que até seus tropeços fazem sentido naquilo que Rocketman executa melhor: fazer do pedestal do cantor sua grande contradição e afirmação de identidade.
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