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Entrevista com o escritor Carlos Neves

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Carlos Neves é músico, fotógrafo e escritor (poeta e jornalista). Editou por anos revistas e canais de educação corporativa. É membro do coletivo Palavraria desde 2015. Recebeu uma menção honrosa do selo “Off-Flip” pelo conto “Estreia” (publicado em 2009). Para o romance “Máscara da invisibilidade”, Neves compôs uma trilha musical, que se encontra em fase de gravação, inspirada em cenas e personagens da história. No momento prepara um novo romance e organiza sua primeira coletânea de contos e novelas curtas. Confira abaixo a conversa que o escritor teve com a Revista Ambrosia.

A: Você acredita que é possível escrever sem pensar em processos constituintes de gêneros? Escrever como homem ou escrever como mulher? É possível cruzar esta fronteira normativa e ir além dela?

Carlos Neves: Sim, acredito, de modo geral é possível pensar numa escrita que transcenda questões de gênero. O que acho difícil é desvencilhar-se da própria história — aqui entendida como o conjunto de impressões, enigmas e saberes que carregamos. Acho que em certos momentos desempenhamos alguns papéis enquanto escritores — talvez até de maneira consciente —, escrevendo, por exemplo, como homens, mulheres, crianças, máquinas, animais, independentemente de sexo e gênero. Mas acho que isso são papeis, arquivos rotulados. Já a maneira como vemos o mundo e a vida é única — e independe disso; o que quer dizer que a escrita mais autêntica, no meu modo de ver, transcende essas fronteiras. Acho que o desafio é justamente esse: superar o rótulo — afinal, não escrevemos com sexo; quando muito, pelo sexo.

A: Seu livro usa um narrador sem nome e sem raízes para ser o ponto de referência narrativa sobre o desejo. É um lugar muito interessante para se desejar do ponto de vista narrativo/ficcional. Como foi utilizar este músico pensando nisso?

Carlos: Acho que tudo partiu da formulação de uma pergunta: “Como seria se?” Disso nasceu o desenho narrativo, quase na forma de um desafio. Afinal, o músico narra algo que ele desconhece, e o desafio seria sustentar essa narrativa em torno de um mistério— palpável em muitos sentidos, mas desconhecido, creio, do personagem narrador; para além do próprio escritor. Isso me pareceu interessante, porque o narrador teria de falar de algo a partir de uma perspectiva que lhe era francamente desfavorável: primeiro porque ele a desconhecida; e, segundo, porque toda a sua bagagem emocional ia justamente na direção contrária ao que lhe atraía na história.

Confesso que em muitos momentos eu mesmo me surpreendi. Teve fases na composição do livro que claramente estava desnorteado, sem saber muito como caminhar. O que me ajudou (considerando que eu tenha chegado a algum lugar no livro) foi cada vez mais abandonar os tais rótulos que falamos na sua primeira pergunta. Em certo momento, senti ou percebi o narrador nessa faixa, ele sendo apenas o que era — buscando, de certa forma, o que nunca poderia ser.

A: Você utiliza muito bem os 4 personagens centrais do livro. Embora exista um triângulo forte funcionando com toda força do desejo. Como estas interações destes personagens foram pensadas por você na hora de escrevê-los?

Carlos: Interessante você perguntar isso. O livro nasceu, como disse, da formulação de uma pergunta. Mas houve antes um proto enredo em que esbocei a situação. Tratava-se de um pequeno conto, que nunca pude terminar enquanto conto. Nele o quarteto já lá, e se armava — dois deles eram estrangeiros. Mas o fio dramático, apesar de fortemente preso entre o músico narrador e Josy (personagem central), ficava muito empobrecido se tratado com essa exclusividade dualística. O que ocorria era que quanto mais eu incluía, digamos, os personagens forasteiros, eu não só amplificava o drama entre os dois (músico e Josy) como intensificava a trama. Foi uma experiência fascinante — e em muitos momentos surpreendente.

A: Há uma imagem no lugar que o músico trabalha, o lugar onde existe um espelho onde os clientes se fantasiam com o que potencializam na imagem refletida. Ali temos um ótimo reflexo que é seu romance: um jogo de espelhos como a imagem do filme Persona onde os rostos se fundem num só. O corpo tende a isso na fusão? No desejo?

Carlos: Acho que sim. A simbologia do espelho — no sentido que está no livro — evidencia isso. E numa direção que muito me agrada (porque de alguma forma ampara o que penso sobre os quadros humanos). Quando isso acontece, quando dois personagens se fundem através do espelho, esse outro único que nasce é de fato um outro, e único, diferente daqueles primeiros, ainda que formado por eles. Acho fascinante essa ideia. E isso está no filme do Bergman, está na razão dos espelhos, no bar Persona — havia mesmo um bar com esse nome em São Paulo no final dos anos 1970. E havia também a experiência dos espelhos nesse bar, em que pessoas sentavam-se à mesa e “brincavam” com as velas e o espelho, tentando encontrar “um outro” naquele universo.

Um outro aspecto que me chama a atenção também, e que tento de alguma forma colocar ou propor no livro, é que tendemos a nos apropriar (incorporando) aquilo que nos atrai — na saúde e na doença. Tentamos nos transformar nos objetos/seres que veneramos — no amor e no ódio. Isso, claro, das formas mais loucas possíveis. Nada é claro, nada é nítido nem tão objetivo quanto gostaríamos. E nesse sentido acho que os espelhos — ou as máscaras — vêm bem a calhar.

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