Imagine, leitor, uma cerca onde deve manter o rebanho protegido dos lobos. Um grupo social que anda e pasta junto, numa localidade onde o fim é pacifico. Ao pular da cerca, a ovelha se torna desviante da norma, ou até uma pária. Andará sozinha pelo bosque podendo ser até comida por um lobo. A fábula necessita desta conotação pelo sentido do desvio – ela não nos posiciona pela norma padronizada, sua leitura e seu feitio é sempre correlata à margem de outra interpretação ou posição. Por isso quando li o pequeno livro de contos, prefiro chamá-lo assim, de Augusto Monterroso “A ovelha negra e outras fábulas”, pela Cosac Naify, comecei a sorrir de aspectos sequenciais de cenas cotidianas até vividas por amigos, gente que conheço.
A estrutura do livro obedece a certos tipos de animais e o que eles podem ter de arquetípicas ações humanas. Cada bicho aspira um ideal de ação e posição e quer ser de um modo. Mas tanto com a gente como com eles a coisa pega mais embaixo, as relações nem sempre são equilibradas e moduladas pela equanimidade. Há sempre um leão a mostrar forças na conjuntura entre outros modelos ou padrões de emparelhamentos. O ideal de padrão ou de norma é dobrável pelo aspecto pária da fábula. Nele, as noções de certo e errado são tão invertidas e divertidas quanto um menino caindo no espelho no mundo Alice.
O aspecto do sorriso humano é chistoso mas também bonito. Lembro-me de quando alguém faz alguma burrada, aí vem mais um bicho fabular e sorrimos diante de sua idiotia ou falta de noção. Operamos na contramão da linguagem normativa, nosso cérebro está preparado para os lapsos ou chistes, mas sempre de outrem. A fábula funciona mais ou menos como um gatilho onde o avesso é sempre o gap mais libertador, mais iluminado. Por isso lembro-me de padrões de roupas, padrões de beleza, de ideais, de boa postura, como se andássemos como homens e não agachados como nosso parente não muito distante.
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