George R.R.Martin, de Game of Thrones, já disse na célebre entrevista que fez com Bernard Cornwell “que você faz as cenas de batalha melhor do que qualquer escritor que eu já li, passada ou presente”, e como fã do britânico, que trouxe obras como As Crônicas saxônicas, as trilogias As crônicas de Arthur e A busca do Graal e As Aventuras de Sharpe, venho apresentar o segundo volume de sua empreitada na Guerra da Secessão Norte-americana, o livro Traidor (Copperhead, tradução de Alves Calado, 406 páginas) de As Crônicas de Starbuck.
Já resenhei o primeiro volume, Rebelde, vide link aqui, e estamos no início do conflito, mais precisamente em abril de 1862, quando as tropas do general nortista Mc Clellan estão despostas para acabar a afamada rebelião com um ataque direto a Richmond, a capital. O protagonista, Nathaniel Starbuck, está enrolado com a divisão do vaidoso Washington Faulconer, é visto como um “copperhead”, embora tenha participado de diversos combates vitoriosos e demonstrado seu valor como soldado e líder, o jovem não consegue escapar de suas raízes nortistas.
Assim, é apenas questão de tempo até ser acusado de espionagem, e então perseguido e brutalmente interrogado. Libertado e enviado através das linhas como um agente duplo, para limpar seu nome, Nathaniel terá de encontrar o verdadeiro traidor, uma empreitada que exigirá uma coragem extraordinária e uma força inabalável enquanto realiza uma perigosa odisseia através do território inimigo. E nesse ínterim, passará pelo cruel cárcere de Richmond, cruzará os ensanguentados campos de batalha da Virginia, conseguindo se infiltrar no alto comando do exército nortista.
Cornwell fez uma pesquisa ímpar, uns dez anos de preparação para ter, e é importante salientar que todos os personagens, exceto Faulconer, são todos reais e as cenas são fiéis aos que ocorreram na História. E outro acerto é que ele não toma partido por ninguém, e se dedica a mostrar sistematicamente os defeitos de ambos os lados. A princípio me surpreendeu muito, o sentido está no caricaturismo que alguns personagens criaram em sua vida. Para vocês entenderem esse ponto, os confederados, desde os oficiais aos soldados, pensavam que iriam enfrentar um bando de afeminados, “mauricinhos”, proletários, filhos das indústrias, que não se lavam, não guardam o domingo e que querem tomar suas terras e mudar seu modo de vida. Já os homens da União, veem que seus inimigos eram uns bandoleiros de uniformes desalinhados, sujos, armados com fuzis da guerra da Independência e que passam o dia dormindo em redes.
Em relação ao volume anterior a narrativa está, em grande parte, construída nos despachos da inteligência militar, os tais serviços secretos em tempos de guerra. O protagonista, Starbuck, se ver em meio da “guerra na sombra” da traição e da espionagem, onde nada é seguro e ninguém se pode confiar. O autor traz alguns personagens e tramas secundárias perfeitamente construídos apara abordar uma questão bastante espinhosa: as circunstancias que determinadas pessoas se tornam espiãs.
Como um mestre em cenas de batalhas, no caso a batalha de Ball’s Bluff a descrição das ações são quase fotográficas, desde a falta de preparação do exército confederado, os detalhes do campo, do cheiro da pólvora, as manchas nos rostos de cada oponente, a fumaça dos tiros, o sangue aos griots de dor, de raiva, aos retumbares dos canhões, é incrível o que Bernard Cornwell faz com seus personagens.
A edição da Record segue a anterior: a diagramação, o papel amarelado, a fonte, a capa como um cartaz feito na época. Muito bonita por sinal, a tradução também está bem cuidada, Alves Calado já é conhecido por traduzir obras de autores famosos.
Embora apresente mais maquinações do que batalhas, o livro segue a qualidade deste espetacular escritor, um deleite para o leitor que gosta de reconstituições históricas e um detalhe para quem é fã do britânico há uma ligação com a epopeia de As aventuras de Sharpe que muitos irão gostar. Aproveitem para conhecer, pois uma série de Tv já está sendo produzida, descobriram o filão. Ótima leitura.
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