“O vento que arrasa”, da escritora argentina Selva Almada, contextualiza a fé à estrada no âmbito da pregação

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“O vento que arrasa”, livro da escritora argentina Selva Almada, parte de uma premissa de estrada. E de quilometragem, mas poderia ser de distância daquilo que fomos num momento sublime, para o que projetamos numa possível parada para um quebra mecânica?

Um reverendo e sua filha são obrigados a parar num posto de beira de estrada onde há uma oficina mecânica para consertar seu carro. A menina em trechos da estória tem reprises de consciência pelo espelho retrovisor, vendo a despedida da sua mãe quando ela ficou com uma mala, e Leni partiu com o pai-reverendo pela estrada. O Pai por ser colocado no colo de um pastor que estava no Rio Paraná, numa cerimônia ritual, tem nesta sensação-vazio, a mesma potência-ausência da menina, pois a mãe o havia largado no colo do pastor numa alusão a seu batismo cristão.

Os dois encontram nesta paragem-oficina, o mecânico Gringo que toma conta de um garoto também órfão chamado de Tapioca. Ele seria uma assistente mecânico, ou talvez um companheiro silencioso das jornadas etílicas do mecânico. Gringo logo começa a mexer no carro e o Reverendo observando o garoto vai alinhavando seu discurso para ele, de cunho projetivo pastoral. Ele parece ver em Tapioca um sucessor seu na pregação. Muito embora ele não seja um pastor de igrejas e templos, mas sim de estradas. Ou de quilometragens. A vida que continua apesar dos motores fundidos. A estrada como um mote para evolução do caráter. Sendo, assim, o pastor sinalize só para os perdidos de beira de estrada.

O enredo se passa durante um dia e meio, no qual estes quatros personagens interagem e se avaliam. Gringo desconfia pouco das intenções do Reverendo até este abrir o jogo e dizer que quer levar o garoto. A escritora muito atenta aos indícios terrenos-espirituais monta na sequência final da estória um tempestade onde a consciência tranquilizadora do pastor irá chocar-se com a carnalidade do mecânico, que teve em sua infância contato com a morte.

Mesma cena vista pelo reverendo, mas com sutis reverberações. Em que ponto uma história deve deixar de lastros aos fantasmas ou recalques ou culpas de cada um, e não seria? Uma pregação? uma reta correta para uma vida estrada sem percalços.

O Vento que Arrasa, de Selva Almada, foi lançado no Brasil pela editora Cosac Naify.

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