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Quatro perguntas para a escritora Katia Maciel

Katia Maciel é poeta, artista e professora titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Trailer” é o seu terceiro livro de poemas que está sendo lançado pela editora 7Letras. Seus trabalhos anteriores foram “Repetir”, lançado pela Circuito, em 2015 e “ZUN”, o primeiro, foi publicado pela +2editora em 2012.

Publicou também Instruções para filmes (e-book org. com Lívia Flores), Poesia e videoarte (com Renato Rezende, 2013), Letícia Parente (org com André Parente 2011), O Livro de Sombras (org. com André Parente, 2010), Transcinemas (org 2009), Cinema Sim (org. 2008), Brasil experimental: Guy Brett (org. 2005),  O pensamento de cinema no Brasil (2000) e A Arte da Desaparição: Jean Baudrillard (org. 1997).

Katia Maciel realiza filmes, vídeos, instalações e participou de exposições no Brasil, na Colômbia, no Equador, no Chile, na Argentina, no México, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, na Espanha, em Portugal, na Alemanha, na Lituânia, na Suécia e na China.  Recebeu, entre outros, os prêmios: Prêmio Honra ao Mérito Arte e Patrimônio (2013), Prêmio da Caixa Cultural Brasília (2011), Funarte de Estímulo à Criação Artística em Artes Visuais (2010), Rumos Itaucultural (2009), Sérgio Motta (2005), Petrobrás Mídias digitais (2003), Transmídia Itaúcultural (2002), Artes Visuais Rioarte (2000). Fizemos quatro perguntas à escritora. Confira abaixo.

1)  Há parece uma relação muito estreita entre tua memória e os poemas que são construídos por você de forma muito bonita e artesanal onde o cinema seria uma espécie de linha de costura que vai alinhando toda a trajetória dos poemas. Achei muito interessante sua proposta, fale-me um pouco dela.

Minha mãe ia ao cinema todos os dias com o meu pai quando estava grávida, não havia ainda a televisão. Minha avó era bilheteira do Cine Palácio, mesmo cinema em que assisti “Zabriskie Point” de Michelangelo Antonioni aos treze anos. Sou formada em História, mas meu mestrado e doutorado foram em cinema. Realizei filmes, vídeos e instalações-filmes. Então, minha vida sempre esteve misturada aos filmes que assistia e acredito que o tempo embaralha os registros de diferentes naturezas, quando lembro do meu pai vendendo minha vaca para comprar uma bicicleta me parece um filme neo-realista. No livro Trailer intensifico esta zona de indiscernibilidade entre as histórias vistas, vividas e contadas. Histórias inacreditáveis são experiências que todos vivem e, portanto, o que é ficção e o que não é, fica ao gosto do espectador que às vezes somos de nós mesmos.

2) Calvino em seis propostas do próximo Milênio falou das 6 linhas mestras que para ele poderiam embasar a literatura no próximo milênio, entre elas, estava a leveza. Notei muito esta característica na sua escrita. O que você acha? E na poesia, tanto no nível da forma como na expressão de temáticas poéticas, ela parece ser um elemento mais elaborado?

Adoro as seis conferências de Italo Calvino. Como ele compartilho a ideia de subtrair o peso da linguagem. Procuro na escrita a leveza da fala curta ou de um pensamento simples, uma pequena troca de sentido, mudar a direção do que esta para acontecer, criar relações inesperadas entre vizinhanças. Apesar de me inebriar com o peso barroco no acúmulo de palavras e sentidos, esta nunca foi para mim uma forma possível. Digo logo e breve e me alegro em perseguir a leveza nos termos que lembra Calvino de Paul Valéry “Il faut être léger comme l’oiseau, et non comme la plume” (é preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma).

3) Tem uma linha também que parece musical, onde você repete certas palavras-temas no decorrer do livro-páginas. Atrelado à sua forma de escrita, que já tem um cunho de canção, como você montou o livro? Você foi costurando estes poemas que tinham estes rebatimentos? 

Estou feliz que tenha percebido o rebatimento. Foi uma intenção da diagramação resultado das conversas com o Jorge Viveiros de Castro da 7Letras, que fez a revisão e editoração do Trailer. Eu queria obter o efeito do fotograma girando no projetor, como se fosse uma animação do cinema dos primeiros tempos. Então, se você soltar rapidamente as páginas é como se houvesse um cintilamento do texto.

A ideia de musical também é oportuna uma vez que misturo as referências musicais aos filmes e também a obra de artistas visuais, mas o que une a referência ao Caetano, a Sonia Andrade e a Ana Carolina é o lugar do cinema. Não apenas como dispositivo, ou máquina de imaginar, mas como uma situação que nos permite reinventar nossas próprias imagens. Todas as aparições de Grande Otelo a Orson Welles, de João Modé a Laura Lima, é uma alusão ao cinema em sua forma fragmentada em nossas memórias.

4) Qual é importância do corte cinematográfico para você ter feito uma espécie de montagem ultrapassando o sentido da edição literária para ser algo inerente ao corte da imagem no cinema? 

A edição de um filme ou de um livro é mais próxima do que percebemos, embora a matéria seja diferente, imagem e palavra, em ambos os casos avançamos e recuamos a partir de fragmentos de imagens e textos, formamos um conjunto e produzimos um sentido. Há uma estrutura e um modo de corte e cola similares entre a forma de construir um filme ou um texto. O computador acabou por evidenciar ainda mais essa proximidade uma vez que criamos um texto ou um filme com programas que oferecem recursos de edição.

Com certeza a montagem do Trailer é bastante cinematográfica uma vez que as imagens são muito presentes, não apenas em mim, mas no leitor, aquele que lê é convidado a localizar as muitas referências misturadas ao longo do texto e invisível na marcação gráfica, isto porque na finalização gráfica retiramos todos os itálicos ou maiúsculas para indiferenciar nomes de filmes e autores. Trailer não é apenas a minha memória, mas a memória de um tempo em que não nos pensamos mais sem as imagens que não param de nos construir.

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