O Coldplay tanto fez que se tornou a maior banda do mundo. Não há o que se discutir. A prova são os nada menos que 11 shows com ingressos esgotados no Brasil nesse mês de março de 2023. Depois de seis noites em São Paulo e duas em Curitiba, a turnê do álbum “Music of the Spheres” chega ao Rio de Janeiro para três datas, todas lotadas. E, de fato, parecia não haver espaço para um alfinete no repleto Engenhão na noite de domingo (26), a segunda data da etapa carioca dessa verdadeira residência no país.
Abertura com a banda Chvrches
A banda escocesa Chvrches ficou encarregada do show de abertura, que foi precedido pela dupla mineira Clara x Sofia. A atração convidada seria a cantora H.E.R., mas com a mudança de data, o trio formado por Lauren Mayberry, Iain Cook e Martin Doherty foi convocado. E fez muito bonito.
A banda lançou em 2021 o álbum “Screen Violence” e é ele que serve de divulgação da atual turnê. Foi com uma música desse trabalho que a banda abriu o show, a faixa ‘He Said, She Said’. Em um show curto, fizeram uma passeio entre os álbuns com músicas como ‘Forever’, ‘The Mother We Share’ e ‘Clearest Blue’.
O Chvrches têm os pés fincados no shynth pop oitentista e o faz com bastante autenticidade, passando longe do pastiche. Lauren esbanjou carisma, mostrou ter mesmo uma bela voz, assim como seus companheiros demonstram bastante talento. Um belo show, pena que boa parte do público estava mais preocupada em contar os minutos para a atração principal.
O maior show da Terra
Desde os primeiros shows no início dos anos 2000 já era possível perceber a ambição do Coldplay. Não é à toa que chegaram ao gigantismo de hoje. O show do quarteto inglês é uma experiência audiovisual que encanta os sentidos, e a grande procura pelos ingressos é logo compreendida no primeiro número da apresentação.
Às 21h30, com meia hora de atraso, o tema do filme “E.T.”, composto por John Williams, no sistema de som, anuncia o início da celebração. Sobem ao palco o baterista Will Champion, o guitarrista Johnny Buckland, o baixista Guy Berryman e o vocalista Chris Martin, vindos pelo meio do público acessando a passarela que liga os palcos A e B. A banda abriu com ‘Higher Power’, música do álbum que dá nome à tour, com muitos efeitos pirotécnicos e cores, seja nas pulseiras, que acendem em padrões pré-programados, nos telões ou na explosão de papel colorido. Foi seguida de ‘Adventures of a Lifetime’, do disco de 2015, “A Head Full of Dreams”. Nesse momento o vocalista já pegava uma bandeira do Brasil e bolas gigantes passeavam sobre o público.
Como agora se trata de um show da banda, e não dentro de um festival como foi o Rock In Rio, o palco é o mesmo usado na turnê em outras partes do mundo. Consiste em uma estrutura sem bordas laterais, o que permite uma melhor visibilidade de qualquer ponto. Possui oito telões de LED, sendo dois em formato esférico posicionados nas laterais, um em formato de meia-lua logo atrás da banda que tem, na parte superior, quatro globos, acionados em momentos específicos, dando a sensação visual de serem planetas. Tudo movido a tecnologia sustentável.
Logo depois de enfileirar dois clássicos, ‘Paradise’ e ‘The Scientist’, Martin, mestre da diplomacia, agradeceu, em um português que certamente ganhou reforço com todos esses dias no Brasil, a presença de todos, por enfrentarem trânsito e o calor (de fato o Engenhão parecia o caldeirão do demo) para prestigiá-los. A banda se dirigiu para o palco B, no meio da pista premium, e ali tocou ‘Viva La Vida’, com um coro da plateia que estremeceu o estádio. Continuaram no palco secundário para ‘Hym for the Weekend’, que manteve o astral elevado. Chris Martin permaneceu ali, leu cartazes e chamou uma fã para sentar ao lado dele ao teclado na música ‘Green Eyes’, do ótimo “A Rush of Blood to the Head”.
Retornando ao palco A, com Martin no violão, veio o hit ‘In My Place’, com legendas no telão, provavelmente para aquela meia dúzia que não soubesse a letra. As luzes das pulseiras iluminarem o estádio de amarelo em ‘Yellow’, o primeiro grande sucesso do Coldplay do disco “Parachutes”. E por falar nele, a faixa-título apareceu parcialmente na sequência, pela primeira vez ao vivo desde 2016.
‘Human Heart’, do novo álbum. trouxe aquele dueto inusitado de Chris Martin com Angel Moon, aquela boneca que lembra os Muppets e não é por acaso. Ela é “vocalista” da banda The Weirdos, que são marionetes criadas pela Jim Henson’s Creature Shop, de onde saíram os famosos personagens. Durante a música, pulseiras da arquibancada acenderam luzes vermelhas formando corações. A faixa seguinte também era do último trabalho, ‘People of Pride’.
A banda atacou com a que é, sem exagero, umas de suas melhores composições, ‘Clocks’, antes do mis-en-scène “alien” da faixa ‘Infinity Sign’. Nela os integrantes surgem com capacetes que remetem a sci-fi, e Martin com uma máscara de alienígena. Daí, a música ‘Something Just Like This’, colab da banda com o Chainsmokers, era pré-gravada, com o vocalista usando a linguagem dos sinais. Já em ‘Midnight’ ele corre sem sair do lugar e no telão o que se vê é uma montagem em que ele parece um personagem de jogo de videogame em terceira pessoa.
Depois desse set mais, digamos, experimental do show, a banda retorna ao pop de alta voltagem com ‘My Universe’, faixa do novo álbum, que traz feat com a boy band coreana BTS (que aparece nos telões). Logo depois, inicia-se ‘Sky Full of Stars’, até que Martin interrompeu e pediu para que, antes que eles recomeçassem, todos guardassem os celulares e aproveitassem aquele momento como uma família “família carioca”, disse em português. Muito aplaudido, foi atendido pela maioria dos presentes. No fim da música uma chuva de papel picado em forma de estrelas.
Chega o momento de os rapazes terem um contato mais próximo com quem ficou na pista comum. Era lá que estava instalado o palco C. Nele, os quatro tocaram ‘Shiver’ e receberam o convidado brasileiro da noite, Seu Jorge, que repetiu sua participação da segunda noite em São Paulo. A música executada no Rio com o Coldplay como banda de apoio de luxo foi ‘Amiga da Minha Mulher’, a mesma da capital paulista, acompanhada com bastante entusiasmo pelo público.
De volta ao palco A, ‘Humankind’ abriu o trecho final da apresentação, seguida da sempre apoteótica ‘Fix You’. ‘Biutyful’, com outra participação de Angel Moon, fechou a noite, com uma chuva de papel picado, agora em forma de borboletas. A banda se despediu dos fãs, com direito ao vocalista tirando a camisa. Sobem os créditos nos telões laterais, com os nomes de todos os profissionais envolvidos, como em um filme, ou mesmo um DVD da turnê. No telão central, a mensagem “Believe in Love” (acredite no amor) e nos das extremidades, aparecem as solicitações para devolução das pulseiras – o Rio está em segundo lugar dentre as cidades brasileiras, após o show do último sábado, com 87%. Curitiba lidera o ranking, com 91%, e São Paulo fechou as apresentações com 85%.
O Rio de Janeiro é um lugar em que, em particular, vem sendo cada vez mais difícil de shows terem uma procura que justifique abrir uma segunda data. O Coldplay abriu mais duas, menos de seis meses depois da apresentação no Rock In Rio. E o intervalo seria bem menor se não fosse o adiamento. Isso pode ser considerado um feito.
Tendo o carisma e a simpatia de Chris Martin como locomotiva e apoiado na tecnologia de luzes, projeções e outros efeitos impressionantes, o Coldplay faz o maior show da Terra na música pop atualmente, mostrando-se o mais digno de levar adiante o formato de megashows estabelecido por bandas como Pink Floyd, Rolling Stones e U2 no final dos anos 1980 e início dos 1990. Mas sem o nível técnico dos integrantes e a força das canções junto ao seu público, não haveria efeito especial que compensasse. Logo, ninguém duvida que a próxima passagem do Coldplay por aqui seja igualmente concorrida.
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