Para celebrar o Batman Day 2018, no último sábado, procuramos um trabalho diferente, de um autor que poderia mostrar uma nova faceta dentro do universo do Homem Morcego.
O autor no caso é o Kevin Smith que já enveredou no cinema, dirigindo com um parco orçamento filmes com um humor geek característico, misturado com humor negro e em mais de uma situação escatológica, conseguiu ser mais que engraçado. Diálogos bons, Tarantino show gângsteres, pistolas e sangue), jovens com aspirações de vida irrealistas, sonhos truncados e salários miseráveis. O Balconista, Dogma, Barrados no shopping … são uma amostra do que Smith fez, que mesmo parecendo bobos, possuem uma mensagem marcante. Smith amadurece com Chasing Amy e nos mostra um mundo mais complexo, muito mais difícil de entende, estabelecendo-se como diretor. Um diretor que traz a mensagem de suas paixões em tudo que faz, os quadrinhos e o hóquei.
Entretanto, tratando de quadrinhos e vamos concentrar em sua carreira como roteirista, que começou na Marvel, onde seu trabalho mais relevante foi Demolidor (Marvel Knight). Logo, chegou na DC, onde se encarregaria de trazer um Oliver Queen revisitado, não apenas para a grandeza que o personagem merecia, trazendo o Arqueiro Verde de volta dos mortos. Depois desses trabalhos, Kevin Smith deixou os quadrinhos de super-heróis e só voltaria para essa minissérie em três edições que a Panini lançou em um encadernado, Batman: Cacofonia (Batman – Cacophony), publicada originalmente em 2009, com Walt Flanagan e Sandra Hope na arte.
A obra em si é meio desconcertante. Com um roteiro linear, mas com uma abordagem bem bizarra, com mais ambição do que resultados reais, que com um bom ritmo nos mantem atentos o suficiente para não ficarmos entediados. E o melhor, a maneira que Smith entra na mente de cada personagem, dentro de sua psiquê, é sublime, em especial por dar importância inclusive para personagens que seriam meros figurantes em outros títulos.
Smith traz o Cavaleiro das Trevas contra um novo vilão, o Onomatopeia, personagem criado quando roteirizou o título do Arqueiro Verde. Dando assim continuidade ao arcabouço do novo personagem e também um contexto para o história, que acontece alguns meses depois do vilão aparecer na série do arqueiro esmeralda.
Onomatopeia chega em Gotham com um plano muito claro, derrotar o Batman e para alcançar seu objetivo, se volta para uma das mentes mais distorcidas da cidade protegida por Batman. E quando dizemos que é uma das mentes mais distorcidas estamos falando em todos os sentidos, o Coringa.
O herói enfrentará a estranha aliança dos dois vilões, tanto fisicamente quanto mentalmente, para descobrir qual é o verdadeiro plano do Onomatopéia, enquanto uma faceta um tanto mais perversa do Coringa é revelada diante de nós.
Smith traz um Palhaço do Crime nunca visto antes, com um adicional de depravação sexual ausente na maioria de suas aparições. O Coringa faz todo tipo de referencia sexual (do estupro a necrofilia) e até sugere de que mais de um o pegará de surpresa, sem falar na forma que conversa com seu arquinimigo, a loucura chega a um novo patamar.
Mas o louco do Coringa é apenas mais uma peça deste jogo em que outros atores participam para o desenvolvimento da narrativa. A cidade, Alfred, Jason Todd e Barbara Gordon e o ambiente do morcego aparecem soturnos como já conhecemos e embora a intenção possa parecer ser uma história independente o tema da continuidade é bem tratado e se encaixa perfeitamente nos eventos que ocorrem antes e depois.
O tom segue o humor de Smith, com suas referências à cultura pop e se encaixa estranhamente no universo Batman, mas consegue captar a essência da mitologia para nos levar ao telhados da cidade e os lugares mais emblemáticos da cidade.
Walt Flanagan apresenta uma arte que mistura um colorido com o tom escuro, quase em P&B, captando a essência sinistra e perturbadora de Gotham, onde um palhaço doentio e maníaco pode ser a maior ameaça para a polícia e seus habitantes. Além disso, o Batman segue o melhor estilo de um super-herói de quadrinhos, mas caracterizado com posições impossíveis e exagero, não só pelas situações habituais, como também em suas reações ou movimentos. Nada que impeça uma leitura fluida.
Um experimento interessante que nos leva a terrenos inexplorados com os personagens, indo além da eterna relação e rivalidade. Não é o melhor quadrinho do Batman, há boas idéias, bem aproveitadas e outras que foram diluídas de uma maneira estranha ou mesmo desnecessária.
Sem dúvida, o melhor é o Onomatopeia. Lembrando que cacofonia é um conjunto de sons desagradáveis e o autor desenvolve cenas e momentos que causam um incômodo ao leitor mais tradicional. Smith é um fã declarado de super-heróis em geral e Batman em particular, então ser capaz de mergulhar na mitologia sombria do Cavaleiro das Trevas e contribuir para expandi-la é um trabalho e tanto. No entanto, o desejo de reinventar e trazer novas nuances para alguns personagens cobrou seu preço e algumas de suas idéias foram ofuscadas por situações estranhas e pelo humor incomum.
Deixando isso de lado, Batman: Cacofonia é uma aposta interessante, que pode ser lida como algo independente ou como parte da enorme continuidade da DC, algo que beneficia todos os tipos de leitores. Recomendo a leitura!
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