O ano é 1990, e o lugar é a África do Sul. O país está prestes a sofrer uma reviravolta no governo. É o ano de libertação de Nelson Mandela, e o fim do apartheid. Também é o ano em que o jovem John Milton ganha uma bolsa de estudos e ingressa em um dos melhores colégios internos do país. Em meio há tantos acontecimentos importantes, 1990 é o ano de Cotoco – o diário perversamente engraçado de um garoto de 13 anos, livro do sul-africano John van de Ruit.
O último lançamento da editora Intrínseca é, literalmente, um diário. Para mostrar as descobertas da vida de um adolescente, John van de Ruit criou o “pouco desenvolvido” Cotoco, um garoto sensível e inteligente com pais malucos em uma escola com gente mais doida ainda. Seus dias são repletos de acontecimentos engraçados e interessantes, onde não só vemos o crescimento do pequeno John Milton, mas também de seus colegas da escola. Literatura, teatro e críquete são os seus principais hobbys; no internato, se vê envolvido nas loucuras de seus 7 colegas de dormitório e seus professores. Garotas também passam a ser uma preocupação.
Por se tratar de um diário, não há nenhuma surpresa quanto à linguagem utilizada por Ruit. São palavras que condizem com a idade do personagem, mas bem escrito e com ironia em dose certa. É impossível não abrir um sorriso ao ver Cotoco com seu pai preconceituoso e lesado, que acha que todos os negros são ladrões, ou com sua avó que pensa que todas as pessoas, inclusive sua filha, querem sua morte. Cotoco nos conta todos esses casos de forma natural e divertida e, o contraste entre a sensatez do garoto e a maluquice de sua família só torna essas passagens ainda mais engraçadas.
Sua vida na escola também é muito bem retratada. Seus amigos tem as mais diversas personalidades, dos brigões aos quietos e medrosos. John van de Ruit acertou ao mostrar como cada garoto descobre novas coisas sobre a vida. Isso fará com que muitos leitores se identifiquem com as aventuras vividas na escola, as conversas sobre garotas, as dúvidas e os festivais flatulentos. O que mais esperar de garotos, senão diversão?
A relação de Cotoco com seus professores também merece ser destacada, principalmente com Guv, seu professor de inglês. É através dele que o menino tem contato com suas leituras preferidas. Quem não amaria ter um professor que xinga durante a aula, recomenda O Apanhador no Campo de Centeio para seus alunos e considera O Senhor dos Anéis o melhor livro de todos os tempos? É muito bom ver a reação de Cotoco durante as leituras e seus comentários no diário sobre cada livro, sem falar nos seus almoços com Guv, onde discutem cada obra enquanto se embebedam com vinho.
Cotoco conquista o leitor nas primeiras páginas com sua sensibilidade e inteligência, sem falar na sua inocência e bom humor. Ele se preocupa com o bem estar de todos à sua volta, e mesmo com influência pouco lisonjeira dos pais, ele encanta mais ainda por amá-los com suas opiniões divergentes. Mas como todo garoto de 13 anos, questões políticas serão uma preocupação que ele apenas terá no futuro, e Cotoco não desperdiça uma hora de diversão.
Por ser um livro predominantemente leve e divertido, o final de Cotoco surpreende. John van de Ruit insere uma forte carga de emoção nas últimas páginas, e vemos claramente que o garoto passou pelas principais descobertas da vida naquele ano: viu seu país mudar, teve seu primeiro contato romântico com garotas, viveu grandes amizades e também tristes perdas. No fim, vimos que Cotoco é um livro sobre descobertas, um apelo para que todos vivam e lembrem de tudo pelo que passam.
Como diz a capa de seu diário, “a vida de todos nós, por mais comum que seja, preencherá uma estante inteira de livros, ou, com sorte, muitos rolos de filme. Não esqueça de nada, sob pena de ser esquecido”. Cotoco vale cada página de sua leitura, e deixa aquela vontade de também registrar em diário tudo o que vimos. Por mais que saibamos o que cada pessoa vivencia no seu crescimento, tudo é novidade através dos olhos de Cotoco.
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