Desde que George A. Romero realizou o clássico “A Noite dos Mortos Vivos”, em 1968, os zumbis se tornaram monstros tão populares quanto os vampiros ou lobisomens para os fãs de terror. Romero criou outras obras que ajudaram a torná-los ainda mais relevantes, como “Despertar dos Mortos” ou “Dia dos Mortos”. A partir daí, foi criado um subgênero em que, com mais ou menos dinheiro, era alimentado por produções que procuravam apenas satisfazer o público, sempre ávido por mais sangue e tripas. Mas que, lá no fundo, não traziam nada de novo ou que pudesse expandir de verdade este universo.
As exceções foram, basicamente, “A Volta dos Mortos Vivos” (1985), que, além de injetar humor, implementou algumas ideias que justificavam a preferência dos zumbis de comer cérebros, e “Extermínio” (2002), que mostrou as criaturas mais rápidas e famintas, algo que influenciou até a consagrada série de TV “The Walking Dead”.
Curiosamente, a obra mais interessante e assustadora deste estilo dos últimos anos não veio dos Estados Unidos ou da Inglaterra, mas sim da Coreia do Sul com “Invasão Zumbi” (“Train to Busan”/”Busanhaeng”, 2016), que não só consegue a proeza de injetar um vigor para este tipo de produção, com momentos realmente tensos, como também desenvolve muito bem os dramas dos seus personagens sem resvalar no ridículo que poderia surgir neste contexto.
A trama se passa inicialmente em Seul, onde vive Seok Woo (Gong Yoo), um homem tão ocupado com o trabalho, que não consegue cuidar direito da filha, Soo-an (Soo-an Kim). Para satisfazer a menina, um dia depois de seu aniversário, ele resolve levá-la para ver a mãe, que mora em Busan. Os dois pegam o KTX, um trem expresso que liga as duas cidades num percurso de 453 quilômetros de distância.
Só que o que nenhum dos dois esperava (nem os outros passageiros) é que uma pessoa contaminada por um estranho vírus estivesse a bordo e, por causa dele, se transformasse numa morta-viva e infectasse outros, que também viram seres monstruosos. Assim, Seok Woo acaba se unindo a outros sobreviventes, que isolam os zumbis em alguns vagões do trem, enquanto tentam chegar a Busan, que teria conseguido se defender do surto virótico com sucesso. Só que, à medida que o percurso avança, novos problemas surgem e chegar até o fim da viagem vai ficando cada vez mais complicado e perigoso para todos.
O mais interessante de “Invasão Zumbi” é a incrível mistura que o diretor Yeon Sang-ho faz com os elementos típicos dos filmes de terror deste tipo com os que poderiam ser encontrados facilmente num bom drama. Conhecido por suas animações, ele faz aqui sua estreia em longa com atores de carne e osso. O cineasta, também autor do roteiro, acerta na criação e desenvolvimento de seus personagens, tornando-os mais humanos e mais críveis do que geralmente vemos nas produções do gênero.
O protagonista, por exemplo, não tem nada de heroico, comete erros, e chega a dizer para a filha que ela só deve se importar consigo mesma. Quem tem um perfil mais valente é Sang-Hwa (Dong-seok Ma), que se mostra mais destemido para enfrentar a ameaça horripilante para garantir que sua esposa grávida Sung Gyeong (Yu-mi Jung) consiga sobreviver. Isso faz com que o espectador realmente tema pelos personagens, se importe com eles. Até mesmo Yong-Suk (Eui-sung Kim), que tem ares vilanescos, desperta sentimentos controversos em relação a suas ações.
Outro aspecto que chama a atenção em “Invasão Zumbi” é a cinematografia do filme, que alterna planos fechados dentro do trem, aumentando o clima de medo e claustrofobia, com planos aéreos que dá a sensação de catástrofe causada pela epidemia do vírus zumbificante.
O diretor também acerta na movimentação dos mortos-vivos, que, embora lembre um pouco o que foi visto em “Extermínio”, especialmente em termos de sua velocidade, tem alguma originalidade por alguns gestos que eles realizam, tornando-os mais ameaçadores. Se há uma coisa de que se pode falar mal quanto à parte técnica é o fato de que fica nítido o uso de computação gráfica nas cenas em que os zumbis se aglomeram para atacar suas vítimas. Mas este detalhe não tira o brilho da produção.
No elenco, Gong Yoo consegue passar bem a transformação que passa o seu personagem, de empresário egoísta a um pai que se não se importa com nada a não ser com sua filha. Isso se deve a ótima interação que o ator tem com a menina Soo-an Kim, que passa uma emoção genuína nas cenas mais fortes. Outro destaque para Dong-seok Ma, que é responsável pelos melhores momentos de ação do filme, além demonstrar um incrível carisma. Quem também chama a atenção é o jovem Woo-sik Choi, que vive Young Gook. Um jogador de beisebol que, além de ter de enfrentar seus ex-colegas transformados em feras assassinas, se preocupa com o bem estar da bela Jin-Hee (Sohee).
“Invasão Zumbi” é tudo o que “Guerra Mundial Z” não conseguiu ser, mesmo com um orçamento muito mais generoso e um grande astro como Brad Pitt. O filme, que foi exibido no Festival de Cannes de 2016, mostra que ainda é possível fazer uma obra tão impactante e capaz de emocionar com um tema bastante conhecido pelos fãs de terror. Além disso, a produção prova que o cinema sul-coreano, não é de hoje, é capaz de realizar obras instigantes e atraentes, vide a versão original de “Oldboy” (2003), “O Hospedeiro” (2006) ou mesmo o ainda inédito no Brasil “A Criada”, que está sendo bastante elogiado pela imprensa especializada. Ao final da sessão, o público certamente ficará apavorado ou mesmo tocado e com lágrimas dos olhos com o incrível desfecho de um dos melhores filmes de terror e suspense de 2016.
Filme: Invasão Zumbi (Train to Busan/Busanhaeng)
Direção: Yeon Sang-ho
Elenco: Gong Yoo, Jung Yu-mi, Ma Dong-seok, Choi Woo-sik, An So-hee, Kim Eui-sung, Kim Su-a
Gênero: Terror/Drama
País: Coreia do Sul
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Paris Filmes
Duração: 1h 58min
Classificação: 12 anos
Embora esteja entrando já no apagar das luzes de 2016, tá na lista de melhores do ano de muita gente