Flip: O que seria o humano além do humano?

Na noite de quinta-feira, 7 de julho, a Flip juntou um filósofo e um neurocientista em uma mesa de debates, em Paraty. Miguel Nicolelis, o novo expoente da ciência brasileira no mundo, cotado a receber o Prêmio Nobel por suas descobertas no campo da neurociência, é ateu. Luiz Felipe Pondé já tentou ser médico, mas acabou se aventurando pelo campo da psicanálise até que Lacan e Freud o levaram à filosofia, também é ateu.

Flip: O que seria o humano além do humano? – AmbrosiaNicolelis disse que por muitos anos o cérebro ficou prisioneiro ao corpo de um primata, ou seja, ele controlava as ações daquele lócus específico, sem poder ir além dos movimentos dos membros daquele corpo. No entanto, este cientista veio mostrar que, de agora em diante, será possível “criar ações por meio do pensamento”. Isso significa que, segundo o próprio slide da apresentação de Nicolelis, “se você pensar, seu avatar irá fazer o trabalho”.

Tal revolução da neurociência torna possível a um paraplégico movimentar próteses de pernas, braços e voltar a andar, por exemplo. Ele descobriu também, por meio de estudos e testes, que, ao mesmo tempo em que um sinal é enviado do cérebro para gerar movimento, há uma resposta que é imediatamente enviada de volta ao cérebro, fazendo com que este entenda e codifique texturas, sensações de tato como se as tivessem tocando, de fato.

Flip: O que seria o humano além do humano? – Ambrosia“Eu espero que, no jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, uma criança paraplégica possa capitanear os jogadores até o centro do gramado e possa dar o pontapé inicial da competição”, afirmou Nicolelis, tirando aplausos da plateia. Isto é, para ele, algo que transcende o humano e vai “Muito Além do Nosso Eu”, o nome do seu novo livro.

Ele citou Santos Dumont como exemplo de superação, de grandes realizações e conquistas, como alguém que superou limites em sua época. Se a inspiração de Nicolelis é este brasileiro que voou pela primeira vez no mundo e mostrou à sociedade parisiense de 1899 “a genialidade de alguém que nunca pisou na escola”, como ressaltou o neurocientista, para o filósofo Luiz Felipe Pondé o próprio avião pode ser um elemento que representa que a humanidade pode falhar no que faz. Ele explica que apesar de ser o transporte mais seguro de todos, ainda provoca medo em muitas pessoas, pois se um erro ocorrer o mais provável é que todos morram. É a humanidade refém da técnica, do próprio avanço científico que criou.

Flip: O que seria o humano além do humano? – AmbrosiaPondé afirma que “todos nós somos eugênicos” no sentido de que sempre buscamos melhorar, sempre procuramos fugir do sofrimento e criar pessoas que ultrapassem os limites da dor, do sofrimento, da agonia. Assim como a eugenia está presente no projeto filosófico, também está no científico, segundo ele. No entanto, ao contrário de Nicolelis, Pondé acredita que “o movimento de ir além do humano é uma ação que, por sua vez, cria novos problemas” e assim, suscetivelmente. Portanto, alcançar o além do nosso eu seria, sob o ponto de vista do filósofo, uma utopia.

Dostoiévski, em seu conto “Sonho de um Homem Ridículo” relata a história de um homem que queria se suicidar, mas encontra uma garota de vida miserável que o faz adiar a morte. Um sonho o leva ao outro lado, ao suposto paraíso, onde todos são felizes, não há perigos ou preocupações. É então que o homem, entediado, percebe que amar está fundamentalmente ligado à ideia do sofrimento, pois é somente a partir de um oposto que se descobre, que se pode sentir e saber o que é o outro. Pondé citou o conto para explicar que o sofrimento também é condição humana, os pares de opostos fazem do humano, essencialmente, humano.

Pondé e Nicolelis, dois homens que, por vieses e porquês distintos, não acreditam em Deus mostraram duas diferentes visões do humano além do humano. A do filósofo poderia ser considerada pessimista, a do neurocientista certamente é otimista. Ambas têm fundamento.

Neste emaranhado de pares de opostos que é a vida (e a morte), o Ambrosia inicia a cobertura da 9ª Feira Literária Internacional de Paraty. Bem vindos!

 

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