Quando começou? Seria com Anne Rice com suas sensuais criaturas atormentadas desenhadas como heróis byronianos? Talvez? Um tempo onde a misteriosa figura do vampiro, uma criatura da noite, amaldiçoada e sacrílega, se configura marcado por uma doença, uma epidemia cientificamente analisada.
A ficção atualmente trouxe para os senhores da noite, os vampiros, um olhar como uma praga a ser erradicada, como também feras vorazes e ícones do prazer e da beleza eterna, imortais trágicos. Dramas fascinantes como Deixa Ela Entrar (Let Me In, 2008), de Tomas Alfredson, e Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013), de Jim Jarmusch, desenvolveram-se a partir dessas duas premissas, ao lado de Eu sou a Lenda ( I Am Legend, 2007) de Francis Lawrence e From Dusk Till Dawn (1996) de Robert Rodríguez .
Isso tratando de cinema, entretanto os animes também tem suas histórias de vampiros: Owari no Seraph de Daisuke Tokudo, Hellsing de Kouta Hirano, Trinity Blood de Sunao Yoshida, Shiki de Fuyumi Ono e outros. Onde temos mais ainda a mistura das duas correntes, trazendo narrativas interessantes sobre criaturas que ganharam a imortalidade apesar de seus espíritos banais, amaldiçoados por aquela humanidade da qual não conseguem se livrar completamente.
Filosofar sobre essas premissas levaria muito mais tempo, mas acontece que na minissérie da Netflix, Vampiro no Jardim de Ryōtarō Makihara tem muito disso, assim como é de costume nas produções japonesas, dissertações sobre o lugar do humano criatura em seu ambiente, a busca dos vampiros, esses forasteiros por seu lugar na complexa e ditatorial maquinaria social. Esta distopia é baseada na história de Tetsuya Nishio, um animador e designer de personagens que colaborou em projetos como Jin-Roh: The Wolf Brigade (1999) e The Sky Crawlers – Eternamente (2008) .
A história se passa em um futuro, talvez distante, em terras que podem ser identificadas com a Rússia e o norte gelado do Ártico, um mundo focado em uma guerra de extermínio entre homens e vampiros, além do fato de haver lugares onde conseguem viver juntos numa espécie de trégua de sangue. Há um comércio entre as raças, mas com muito preconceito e uma instabilidade alarmante. Momo, a jovem adolescente e protagonista da história, é filha do comandante que lidera a guerra de extermínio. Uma jovem que ainda sente tristeza por esse massacre, que não entende completamente por que não pode haver entendimento entre as duas raças.
O mesmo sentimento de Fine, a vampira herdeira do trono de sua nação e que ainda retém muito mais humanidade do que seus séculos de vida seriam capazes de prever. As duas personagens se encontrarão no meio da linha de fogo, a meio caminho entre seus desejos e responsabilidades. Dissemos que já tínhamos visto o suficiente sobre essas guerras, mas aqui Makihara acrescenta à sua distopia, tão próxima das guerras de meados do século XX, uma visão assustadora do homem e de seus derivados fantásticos, e ainda mais sobre a ânsia de vitória, tanto na batalha como sobre outros iguais, sem trégua.
À medida que entramos nesse mundo sombrio e congelado, seus habitantes, ainda mais acreditamos na entrega com que os protagonistas abraçam o mundo, lutando contra si e a todos, embora não se deixe de sentir a inutilidade de tudo. O pessimismo é tão forte quanto a melancolia; as duas fogem em busca de um paraíso onde possam viver em paz, e em meio a tanta dor e perda, de horror e preconceito, carregam momentos bons. A felicidade que elas ignoraram é a que nós humanos obtemos, pequenas doses em um mar de tristeza.
Há apenas cinco episódios, cheios de ação e personagens fascinantes e cenários belos. Uma pequena história de vampiros e humanos em guerra, de foras da lei, de tolos. Aproveite e assista, uma história comovente.
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