A música perdeu na segunda-feira (9) a lenda do funk americano Sly Stone, que, à frente da banda Sly & the Family Stone causou uma revolução na música negra nas décadas de 1960 e 1970. Ele tinha 82 anos e a causa da morte foi uma doença pulmonar obstrutiva crônica e outros problemas de saúde. Estava afastado dos holofotes, mas deixou um legado incontestável. Aqui você confere dez grandes momentos de sua brilhante carreira.
Formação do Sly & the Family Stone (1966)

Pioneiro em criar uma banda multirracial e de gênero misto, Sly estabeleceu um novo padrão para inclusão musical
Lançamento de Dance to the Music (1968)
O lançamento de Dance to the Music em 1968 marcou o primeiro grande impacto de Sly & the Family Stone no cenário musical norte-americano — e, por extensão, mundial. Foi com esse segundo álbum de estúdio, lançado pela Epic Records, que a banda realmente encontrou sua identidade e conquistou o público com sua combinação revolucionária de funk, soul, rock e psicodelia.
O grande destaque do disco é, naturalmente, a faixa-título “Dance to the Music”, que se tornou um enorme sucesso, alcançando o Top 10 da Billboard Hot 100. A música é um verdadeiro manifesto de intenções: alegre, explosiva, cheia de groove e com uma estrutura de chamada e resposta que apresentava, um a um, os membros da banda e seus respectivos instrumentos — como se Sly estivesse nos dizendo: “preste atenção, isso aqui é diferente”.
E era mesmo. Dance to the Music apresentava ao mundo a diversidade da Family Stone, uma banda mista racialmente e com presença igualitária de homens e mulheres — algo extremamente raro, e até polêmico, no final dos anos 1960. Além de Sly Stone como líder, tecladista e vocalista, o grupo contava com nomes como Larry Graham (baixo), Freddie Stone (guitarra), Rose Stone (teclado e vocais), Cynthia Robinson (trompete), Jerry Martini (saxofone) e Greg Errico (bateria).
O som do álbum era vibrante e inovador: misturava os grooves dançantes do R&B com a energia do rock e os arranjos vocais do gospel. Cada música parecia feita para incendiar festas, pistas de dança e, ao mesmo tempo, abrir espaço para a criatividade e liberdade musical.
Embora outras faixas do álbum não tenham tido o mesmo sucesso comercial da música-título, canções como Ride the Rhythm e Higher mostravam o potencial eclético da banda. Mais do que um disco, Dance to the Music foi um ponto de virada: abriu caminho para a explosão do funk como força dominante na música negra americana e colocou Sly & the Family Stone no mapa como uma das bandas mais ousadas, inclusivas e influentes de sua geração.
Em resumo, o lançamento de Dance to the Music não apenas colocou todo mundo para dançar — ele também anunciou que a música popular estava prestes a mudar. E Sly seria um dos principais responsáveis por isso.
Clássicos com mensagem social

Everyday People, Stand! e Family Affair combinaram hits dançantes com letras sobre igualdade e justiça — reforçando o impacto cultural do grupo
Show lendário no Woodstock (1969)
A apresentação de Sly & the Family Stone no festival de Woodstock, em 17 de agosto de 1969, é considerada uma das performances mais icônicas da história da música ao vivo — não só pelo contexto, mas também pela intensidade do show.
A banda subiu ao palco por volta das 3h30 da madrugada, já no terceiro dia do festival, enfrentando um público cansado e encharcado pela chuva. Mas isso não os impediu de transformar aquele momento em pura euforia. Sly Stone, carismático e com uma presença de palco magnética, comandou a apresentação com uma energia contagiante, que rapidamente incendiou a multidão.
Um dos pontos altos do show foi a performance de I Want to Take You Higher, que se tornou quase um mantra coletivo. O público respondeu com gritos e palmas, dançando e vibrando sob a chuva, numa das cenas mais emblemáticas de todo o festival. A banda, multirracial e de gênero misto, já era revolucionária por sua formação, e ali, no maior palco do mundo, provou que também era musicalmente inovadora.
A apresentação no Woodstock não apenas consolidou a fama da banda, como também ajudou a mudar o curso da música negra e popular. Combinando soul, funk, psicodelia e mensagens de inclusão, Sly & the Family Stone mostraram que era possível ser dançante e politicamente relevante ao mesmo tempo — e entraram para a história com um show memorável que, até hoje, é lembrado como um dos maiores do século 20.
Álbum conceitual There’s a Riot Goin’ On (1971)
Lançado em novembro de 1971, o álbum There’s a Riot Goin’ On, de Sly & the Family Stone, é um marco da música negra e um dos discos mais importantes e sombrios da virada dos anos 1970. Distante do otimismo e da energia vibrante dos álbuns anteriores, esse trabalho representou uma guinada introspectiva, melancólica e altamente política na carreira da banda.
O título do álbum — There’s a Riot Goin’ On (em tradução livre, “Está rolando uma revolta”) — é uma resposta direta ao idealismo do flower power dos anos 1960. Enquanto o disco anterior, Stand!, de 1969, ainda acreditava na possibilidade de mudança através da união, Riot ecoava a desilusão de uma América pós-Woodstock, marcada por tensões raciais, guerras, repressão e desencanto generalizado.
Musicalmente, o disco rompe com o som alegre e dançante que havia tornado a banda famosa. As faixas têm uma produção lo-fi, arranjos desarticulados e batidas que parecem arrastadas, resultado do estado emocional e físico frágil de Sly Stone, que gravou grande parte do álbum sozinho, utilizando uma drum machine e sobrepondo instrumentos em camadas. Isso deu ao álbum uma atmosfera pesada, enevoada, quase opressiva — algo inédito para o funk até então.
Faixas como Family Affair, Africa Talks to You (‘The Asphalt Jungle’) e Just Like a Baby revelam um artista em conflito com seu país, sua banda e consigo mesmo. A produção caótica espelha perfeitamente o conteúdo lírico: alienação, racismo, paranóia, dependência química, desesperança.
Apesar (ou por causa) dessa virada radical, o álbum foi um sucesso comercial e de crítica. Chegou ao topo da parada da Billboard e é hoje reconhecido como precursor direto de gêneros como o funk psicodélico, o neo soul e o hip-hop. Artistas como Prince, D’Angelo, Erykah Badu, Dr. Dre e Kendrick Lamar foram profundamente influenciados por Riot.
There’s a Riot Goin’ On não é um álbum fácil ou convidativo — mas é um documento sonoro brutalmente honesto de um tempo e de uma mente em colapso. Um retrato musical da América fragmentada do início dos anos 70, feito por um dos artistas mais visionários de sua geração.
A aclamação de “Family Affair” (1971)

Chegando ao topo da Billboard, essa faixa de There’s a Riot Goin’ On combinou groove intenso com produção sofisticada, sendo eleita uma das melhores músicas de todos os tempos
Indução ao Rock & Roll Hall of Fame (1993)
Reconhecimento da importância histórica da banda, com Sly realizando aparição para receber o prêmio, com apresentação de outra lenda do funk, George Clinton.
Tributo no Grammy (2006)

Um momento emocionante que reuniu grandes nomes como Steven Tyler do Aerosmith, Will.i.am do Black Eyed Peas e John Legend para homenagear o legado da banda — com Sly subindo ao palco pela primeira vez em quase duas décadas.
Sobriedade e autobiografia (Thank You (Falettinme Be Mice Elf Agin), 2023)

Após longa luta contra o vício, Sly se manteve limpo desde 2019, publicou sua autobiografia e concluiu um roteiro sobre sua própria vida
“Sly Lives!” — documentário de Questlove (2025)
O longa estreou no Sundance e trouxe entrevistas com artistas como D’Angelo, Chaka Khan, George Clinton e André 3000, valorizando a trajetória do artista