Não é de hoje que os livros editados pelo paulista Gláuber Soares chamam a atenção. Além da evidente qualidade gráfica, resultado da escolha cuidadosa do que é publicado e da atenção na edição e diagramação do material, sua Alink Editora (@link) tem conquistado indicações a prêmios nos últimos dois anos. Quase o mesmo tempo que a empresa tem de existência. Em Contos Safadinhos da jornalista Sonia Nabarrete, a mão do editor é vista na formatação do projeto. Desde a escolha do formato do livro à composição do formidável time que deu vida ao material, tendo como parceiro para a concepção do design o multiartista Nelson de Oliveira (encarnando sua faceta de Teo Adorno).
Embora provoque inevitáveis risos com o título, Contos Safadinhos traz uma coletânea segura de escritos eróticos, com a fina ironia de Sonia Nabarrete, manipulando desejos e palavras em textos prazerosos que precisam ser lidos em voz alta, de boca cheia. A cereja do bolo, ou lingerie do livro, fica por conta das imagens criadas pela excelente Mariana Cristal Hui, apimentando o volume apresentado por Sonia.
Em dezoito contos curtinhos, daqueles gostosos de se ler entre as atividades do dia ou de rompante, Nabarrete apresenta-se como uma das artistas da palavra que mais dominam o estilo atualmente no Brasil em um momento tão escasso de sarcasmo e erotismo de qualidade na literatura nacional.
Merece ser lido, repassado, discutido. A delicadeza da autora contrasta com as sensações provocadas pelo seu trabalho.
O livro pode ser adquirido por R$35,00 no site da editora. Sonia Nabarrete, pela mesma editora, publicou a novela Eretos.
Leia dois contos do livro:
A cheiradora
Tinha menos de cinco anos quando começou a ter um comportamento antissocial. Não importava quem estivesse por perto, manipulava os genitais e depois cheirava os dedos, fechando os olhos e saboreando o momento. Pareceria curtir mais o cheiro do que o toque.
– Mãe, olha a Aninha fazendo aquilo de novo! – berrava o irmão, envergonhado. As visitas faziam cara de paisagem. A mãe chegou a dar uns tapas na sua mão, mas não tinha jeito. Parecia uma compulsão. Levaram a menina à psicóloga, que achou aquilo normal, curiosidade de criança, daqui a pouco passa. Mas não passava. Onde quer que estivesse, lá estava ela tocando a xota e depois cheirando os dedos.
A menina foi crescendo, e aquela situação se tornando cada vez mais desagradável. Tocava, depois cheirava e fazia uma cara de prazer que só intensos orgasmos proporcionam.
Na adolescência, mais do que surpreendida com as mudanças do corpo, os seios e os pelos, ficou encantada com o próprio cheiro, que, em função dos hormônios, tornou-se mais intenso.
Sua fixação por cheiro de xota era tão grande que começou a se envolver com outras mulheres. Mas não tinha graça. O cheiro das outras não era tão bom. Gostava mesmo era do próprio cheiro, uma verdadeira “narcisista olfativa”.
Além dos dedos, gostava de cheirar as calcinhas, o protetor de calcinhas, a toalha, tudo o que guardasse aquele odor, que, para ela, era o melhor do mundo. Aboliu o sabonete nos genitais, para que o cheiro ficasse completamente natural. Às vezes, até passava dias sem tomar banho, só para curtir aquele perfume próprio e inigualável.
Já moça, não tocava mais os genitais na frente das pessoas, mas bastava ficar sozinha para curtir um momento de paixão consigo mesma. Começava passando a mão em concha pela vulva, depois, com o dedo indicador, percorria os vãos entre os grandes e os pequenos lábios. Em seguida, tocava com muita suavidade o clitóris. Fazia um movimento sutil e repetitivo, até sentir a vagina umedecida, pronta para receber um cacete. Mas ela, embora já tivesse experimentado, não curtia um pau. Queria mesmo era colher o néctar do próprio prazer e cheirar, cheirar, até sentir-se entorpecida. Era dessa forma que encontrava o êxtase.
Quando anunciou que aprenderia ioga, a mãe ficou feliz. Quem sabe assim ela se acalmasse e parasse com aquela mania de ficar horas trancada no quarto? Mas sua intenção, ao aprender ioga, era ganhar flexibilidade para alcançar o mais próximo possível o nariz da xota e assim cheirá-la diretamente.
Tornou-se uma verdadeira contorcionista. Passou a fazer shows aplaudidos por plateias encantadas com a sua habilidade em dobrar o corpo como se fosse feito de borracha, conseguindo tocar a xota com o nariz. Uma expressão incompreensível tomava conta do seu rosto, e por causa disso ela ganhou o codinome de Mona Lisa. E, como no quadro famoso, nunca ninguém entendeu o que ela queria dizer com aquele meio sorriso de mulher safada.
Equívocos sexuais
Eu tinha 20 anos quando conheci o Ney, um amigo da minha irmã, e fiquei encantada. O cara era dono de uma beleza incomum, além de ser inteligente, culto, elegante e solteiro. Mas, antes que eu me animasse, ela alertou:
– Ele é gay.
Fiquei bastante surpresa porque o rapaz não dava a menor pinta.
Ney, pouca coisa mais velho do que eu, tornou-se meu amigo também. Chegamos a fazer troca-troca. Explico: em alguns eventos sociais e profissionais, em que ele precisava de uma namorada de fachada, eu fazia esse papel. E eu, quando queria fazer ciúme para algum babaca que tivesse me esnobado, aparecia com ele a tiracolo.
Conheci Nara, a irmã de Ney, e ela, ao contrário dele, assumia a homossexualidade. Tinha inclusive uma bela namorada, a Rosana. Um dia o casal de lésbicas estava em nossa casa quando Rosana abriu a bolsa para pegar alguma coisa, deixando ver uma cartela de pílulas anticoncepcionais.
Quando elas foram embora, comentei com minha irmã:
– Você viu a pílula na bolsa da Rosana?
– Vi, sim. Coitada da Nara, parece que está sendo chifrada. A Rosana deve se relacionar com homem também.
– Será que a Nara sabe?
– Vou tirar a dúvida perguntando para a própria Rosana – decidiu minha irmã.
Rosana garantiu que só se relacionava com Nara e que tomava pílula para não engravidar dela.
– Mas que ignorância, mulher não engravida mulher – argumentei.
– Mas ela tem pinto – revelou Rosana.
– Como assim? Deve ter um clitóris avantajado e você se confundiu – disse minha irmã.
Rosana então convocou Nara para um tira-teima.
– Elas acham que estou te traindo porque viram meu anticoncepcional. Mostra o pinto pra elas, amor.
Muito sem jeito, Nara abaixou as calças e exibiu o pinto. Não era dos maiores que a gente já tivesse visto, mas, ainda assim, era um pinto.
– Você é homem! – exclamei.
– A minha mãe queria tanto ter uma filha que deve ter se equivocado com meus genitais. Então me criou como menina – explicou Nara, relatando as dificuldades que enfrentou ao longo da vida para assumir um gênero que não era o seu.
– Mas agora, que é adulto, por que você não muda de sexo nos documentos? – eu quis saber.
– Porque a Rosana acha excitante transar com uma mulher que tem pinto.
Contos Safadinhos (Alink editora / 2018)
120 páginas
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