Dicas para sofrer em paz, com atuação e idealização de Lulu Carvalho e direção de Ana Carolina Sauwen, em cartaz no Rio até o final de junho, é uma divertida e levíssima reflexão sobre os mundos, os sentidos e o sofrimento no trabalho contemporaneamente, trazendo à tona a temática do burnout (esgotamento, como atualmente é nomeada na Classificação Internacional de Doenças) de modo que, contemplados pela denúncia necessária aos modos de trabalhar atuais, podemos, ainda assim, rir com a crítica – assertiva, mas leve – às incoerências organizacionais das empresas, aos motes empresariais que pretendem orientar o comportamento e mentalidade no trabalho e, por fim, aos axiomas dos coachs (entregue-se ao trabalho mais e mais, corra sem parar, “acorde antes de você mesmo acordar”, como evoca a personagem, em sua agitação pelo palco entremeada por pausas de inquietação sufocada).

Na dramaturgia, que Ana Carolina Sauwen divide com Lulu Carvalho, em um cenário de cores amenas, tons de lilás e nuances prateadas, num ambiente de uma empresa que se diz interessada na felicidade de seus funcionários e funcionárias, na inclusão e na diversidade, a personagem conduz um processo seletivo com o público, incluindo-o em dinâmicas e testes e distribuindo adesivos e chicletes de acordo com o desempenho nas perguntas. Para pessoas tímidas ou introvertidas que evitam teatro com algum tipo de interação, não é preciso se preocupar nem evitar a peça: sentar-se na metade da fileira para trás garante que não haja abordagem do elenco e, de qualquer modo, Lulu Carvalho conduz tudo de forma tão tranquila e divertida, que todo mundo acaba querendo participar um pouco daquelas perguntas sobre remédios, substâncias e que tais.
Um dos momentos mais curiosos é a crítica à forma como as empresas dizem lutar contra o burnout e ensejar medidas em prol da saúde mental de seus funcionários e funcionárias, chamados de colaboradores, como se o mal-estar e o adoecimento no trabalho nada tivesse a ver com as relações e a organização de trabalho, com as dinâmicas aí erigidas. A empresa que oferece o processo seletivo é “cryfriendly”, ou seja, pode-se chorar à vontade que ninguém vai julgar ou condenar, e há adesivos espalhados com os dizeres “stop burnout” e “get out”, sem contar os folhetos explicativos, distribuídos aos funcionários e funcionárias, com informações sobre a síndrome, de modo que “você saiba que tem burnout e diga stop burnout”. Esse é o momento mais interessante do espetáculo, que toca, de modo irônico, naquilo que é de fato o que acontece: distribuição de informações como se isso bastasse, para o cumprimento de exigências e aparências externas, políticas e programas pelo bem-estar dos trabalhadores e das trabalhadoras que não tocam no (nem se aproximam do) cerne do problema causador de um mal-estar que é coletivo e generalizado.

Para quem adora uma comédia, o espetáculo Dicas para sofrer em paz é uma opção de entretenimento levíssimo, capaz de citar Cristina Maslach (a pesquisadora que trouxe à baila a noção de burnout) e um dos livros vinculados ao tema, A sociedade do cansaço, de Byung Chul Han, que a protagonista, em um de seus lances de honestidade, nos confessa ter lido “até a página 30”.
A peça traz, ainda, a participação (em dias alternados) de Jeffinho Farias, Nitai e Pedro Fernandes, atores que, a partir de sua experiência como pessoas com deficiência, tocam nas temáticas sobre capacitismo e evocam a demagogia em torno da falsa preocupação com PCDs nas corporações e empresas, bem como a exploração de sua imagem.

Ficha técnica:
Atuação e idealização: Lulu Carvalho
Direção: Ana Carolina Sauwen
Elenco convidado: Pedro Fernandes, Jeffinho Farias e Nitai
Dramaturgia: Ana Carolina Sauwen e Lulu Carvalho
Direção musical: Kauan Scaldelai
Preparação vocal: Junio Duarte
Figurino: Flavio Souza
Cenário: Elsa Romero
Iluminação: Juliana Moreira
Produção executiva: Fernanda Klen
Assessoria de imprensa: Catharina Rocha e Paula Catunda
Gestão de mídias sociais: Julia Vita
Fotografia: Dalton Valério
Contadora: Elizabete Arruda
SERVIÇO
Espetáculo: “Dicas para sofrer em paz”
Temporada: de 5 a 29 de junho
Dias e horários: de quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 19h
Local: Teatro Ipanema – Rua Prudente de Morais 824. Tel.: 2523-9794
Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$30 (meia).
Funcionamento da bilheteria: de terça a sábado, das 14h às 22h.
Classificação indicativa: 10 anos. Duração: 70 min.