Imagine, leitor, que duas pessoas estão a trocar narrativas, aqui não menciono o meio (que dizem ser a mensagem). Elas podem estar tão próximas uma da outra que basta um sussurro que aconteça a comunicação entre elas. Algo ao pé do ouvido como um segredo, ou uma confidência. Ou podem estar a uma distância de um metro que possibilita as transmissão das palavras ao vento aqui talvez com cunho metodológico, de ensino.
Claro, existem os meios onde é preciso uma prova testemunhal da transmissão da mensagem, tipo carta, ou até uma conta s pagar. Onde os agentes estão no fim do caminho da mensagem, o receptor está agora numa livraria, olhando os livros que o chamam com desejo. São tantos, mas parece ser criterioso a ponto de fechar seu leque em até um único livro apenas. Para isso o leitor acha que o ambiente de sua livraria se pareça com sua própria casa, onde se perde em horas na frente de sua estante lotada de livros já lidos, mas ainda não rascunhados. Pretende dizer um afeto para cada um deles, mandando ao autor uma mensagem sintética sobre o que lhe afetou aquele livro.
Mas há um trajeto, ou trilho secreto, que percorra não a leitura em si, do livro. Mas sim a projeção do seu autor no pensamento do leitor. Qual? Imagem afetivo-sensorial do autor depois de lido faz nas emoções de quem decodificou todo emaranhado de signos, não só linguísticos mas também de afeções sobre si, e o mundo circundante: o entorno. Esta sintonia espiritual entre autor e leitor, muitas vezes não é expressada em linguagem corrente, em um texto de cunho de publicação-divulgação. Guardamos para um papo entre amigos num bar. Falamos até numa consulta de psicanálise, para o analista, fazer as correlações entre o autor do livro e o autor da fala desbloqueada (sobre si) num fluxo contínuo.
No livro “Nos vemos em Marduk”, pela editora Patuá, a jornalista e escritora Carla Muhlhaus, escreve um texto (um romance fluído em seu gênero) em que ela faz uma viagem à casa do sol, sítio onde a poeta Hilda Hilst viveu boa parte da vida. Imersa no ambiente da escritora, ela começa um texto onde as relações entre memória, autoria, ficção, e biografia se perdem num fluxo jorrante de devaneios, pensamentos sobre a arte, referências à Hilda e seu pai. Aqui volto à questão de como um afeto por alguém que escreve pode não ter uma forma fixa, e, principalmente, não ter um meio rígido. Um meio que seja tão fluído como uma correnteza de uma carga de água enorme vazando ou se deslocando entre lugares.
Para tanto, neste processo mencionado aqui, o meio é a mensagem. Estaria assim ele fragmentado no seu veio de emissão? A linguagem aqui caberia mais em processos de afeto e como eles são veiculados e por quais meios são propagados? Carla num texto brilhantemente polissêmico trabalha o afeto puro pela poeta, indo da psicanálise à filosofia, buscando tropos e conexões poéticas para fazer o que chamo de brilhos-estelares-de- junção-poética-entre-vida-e-obra.
Pelo caráter tão plural e polissêmico de seu texto, fico aqui nesta resenha, me perguntando se é possível falar em recepção do leitor numa obra dessas? Talvez inventariar um cosmos afetivo e inconsciente como a ideia junguiana de Inconsciente Coletivo, um desvairado baralho de tarot com uma iconografia de sintaxtes-afectantes para todos que narram pelo desvario do sonho de um enlevo coletivo de afecções por uma poeta que brilhou e cativou seus leitores.
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