Numa sala, num insight. A piscada entre o cerrar e o abrir. Estes movimentos tanto de adormecer e acordar, entre o torpor do sono e a vigília da atenção, perpetuam com algumas nuances outras situações. Você não sente algo quando está no aeroporto prestes a embarcar para Bueno Aires? Uma fase alterada entre duas realidades postas à prova pelo fato de que você e mais umas 200 pessoas terão que levantar voo com a ajuda de um passarinho mecânico para outra região; outra cultura – não seria o mesmo que dormir e acordar em outro tempo e também no caso… espaço?
A escrita tem essas passagens entre espaços até mesmo o tempo parece que funciona de outra forma, um tempo pausado, medido pelo pensamento, um pouco mais lento. O livro de poemas Rocketman do poeta Rique Ferrári da editora Patuá. O autor segue um via; uma rodovia com um tipo de velocidade cruzeiro. Sem interrupção. Engraçado, vi-o neste mesmo voo para Bueno Aires onde estava eu indo ver um cópia antiga de um livro de Borges, que ficou com um personagem Antônio do filme A Ventana – uma película do Carlos Sorin. Era praticamente questão de vida e morte, outra referência deveras dialética. Este autor ia também para lá. Fazer não sei o quê.
Seu poemas seguem um fluxo contínuo embora na primeira parte e segunda tenha capítulos/títulos. O primeiro chamado América segue um itinerário de uma viagem pela América do Sul, Argentina, Uruguai, Peru. No voo me vi sonhando com estradas por estas regiões. Acho que estava dormindo. São poemas com imagens deslocadas destas regiões, com ambientes literários descritos com muita sutileza, uma espécie de matiz da cor da tinta que pincelamos pela primeira vez, a primeira cor no quadro. Talvez a base. A leitura dos poemas-corpos são linhas em movimento; ações com flashes de referências às partes experênciais do poeta in loco.
Na segunda parte Amarelo, há uma relação com ambiente familiar do autor com relação ao espaço de uso constante adquirindo pequenas cintilações temporais de ida ao passado mas que não demarcam tempo pelo belo uso de imagens sonoras e visuais no percurso do poema. O livro nas suas três partes são ilustrados pelo desenho muito figurativo e sensorial de tatuadores que fazem o caminho imagético do enredo. Abri a janela, não do avião, não poderia. Abri o livro a Ventana e olhei também os desenhos que o personagem fazia sempre no espaço em branco da mancha tipográfica.
A terceira parte que dá título ao livro, Rocketman, um poema longo de uso que parece um viagem por uma highway que o texto transcorre solto e sem pausas para o respiro. O magma textual qui parece o mais livre associativo sem temática pré-definida. Rique tem um talento para o jogo da livre associação do texto quando leva o próprio texto à uma experiência de quase mediunidade. Explico. Não há qualquer reflexo de quebra semântica entre os versos, eles fazem todo sentido pelo movimento com algum tipo de aceleração entre as frases que se completam sem desperdício de intensidade de sentido. Lembrou-me alguns jogos onde o pensamento procura para preencher lacunas – associações entre tropos, entre imagens para encaixar quase como um comboio de vagões nos trilhos poéticos do autor.
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