HBO. Amy Adams. Gillian Flynn, a nova dama do suspense e dos plot twists. Eram muitos os elementos que colocavam a expectativa para a série Sharp Objects no nível máximo. Ao longo de oito domingos, pudemos conhecer o ambiente tóxico de Wind Gap, investigar assassinatos, descobrir o que há de belo no feio e, em especial, ter uma conversa involuntária sobre saúde mental.
Camille Preaker (Amy Adams) é uma jornalista que volta para sua cidade natal, a pequena Wind Gap, para cobrir a investigação de um crime bárbaro, o assassinato de uma menina, e do desaparecimento de outra. Logo após a chegada de Camille, Natalie, a menina desaparecida, é encontrada morta com os dentes arrancados, da mesma maneira que Ann, a primeira vítima, foi encontrada.
Camille não queria de maneira alguma rever sua família e enfrentar seu passado. Mesmo assim, ela é obrigada a ficar em sua antiga casa, uma mansão colonial, construída antes da Guerra Civil Americana e onde sua família vive uma vida idílica dos anos 50. A mãe, Adora (Patricia Clarkson), nunca demonstrou carinho por Camille, e sempre encontra oportunidades para criticar a filha mais velha. Adora é casada há anos com Alan (Henry Czerny), que não é pai de Camille, um homem pacato e meio babaca, cuja única função na vida aparentemente é ouvir música. Camille tem uma meia-irmã mais nova, Amma (Eliza Scanlen), um perfeito exemplo de santinha do pau-oco: em casa, se veste e se comporta como a filha perfeita, na rua, bebe, usa drogas e apronta com as amigas.
Camille também tinha outra meia-irmã, Marian (Lulu Wilson), que morreu ainda pré-adolescente. Adora diz que Marian “era uma menina muito doente”. Camille nunca conseguiu superar a morte de Marian, e sempre acreditou que poderia ter feito algo para salvá-la. Por causa deste e de outros traumas, Camille pratica automutilação. Como qualquer pessoa que se corta, ela usa sempre blusas e calças compridas, cobrindo cada centímetro do corpo abaixo do pescoço. Ela não apenas se corta, mas escreve palavras no corpo, e também abusa da bebida alcoólica.
Você dificilmente verá uma série de TV tão bonita visualmente quanto Sharp Objects. As cores são hipnotizantes, os cenários são decorados com propósito – cada objeto em cena e, em especial, cada palavra que aparece importam – e só pelo figurino se percebe que Camille é um elemento dissonante em Wind Gap. Todas as músicas da trilha sonora também foram escolhidas com um propósito, por isso, preste atenção às letras! A edição é muito competente – e muito requisitada, por causa de flashbacks – e certamente merece prêmios.
O mesmo não pode ser dito do diretor Jean-Marc Vallée. Ele está a anos-luz de ser um auteur: é apenas um cara de sorte, que caiu nas graças de Reese Whiterspoon com Livre e foi contratado para dirigir a primeira temporada de Big Little Lies. Aliás, seu Emmy de Melhor Diretor não foi merecido, ainda mais se considerarmos que ele não fez nada de diferente na série, e estava concorrendo com a tomada longuíssima de Ryan Murphy, a la Iñarritu, em Feud: Bette e Joan.
Gillian Flynn, autora do livro, produtora da série e também o cérebro por trás da história de Garota Exemplar, disse que queria, em Sharp Objects, contar uma história sobre fúria feminina. Ela conseguiu, mas talvez a série fosse ainda melhor se tivesse uma diretora por trás dela. Quem melhor para entender a fúria feminina, sem exageros ou estereótipos ofensivos, do que uma mulher?
Um grande problema com a série é o fato de ser uma série. A adaptação era para ser um filme, mas a roteirista Martin Noxon sugeriu que fosse feita uma série. Assim, um livro com pouco mais de 250 páginas acabou se estendendo por cerca de 400 minutos de projeção, divididos em oito episódios. Em alguns momentos de todo episódio, o espectador deve se perguntar se está vendo uma história se desenrolar ou apenas minutos intermináveis de aesthetic porn. Sim, há episódios maravilhosos, mas há também alguma enrolação, que não existiria se Sharp Objects fosse um filme.
Não há do que reclamar com relação às atuações. É um pecado que a brilhante Amy Adams ainda não tenha um Oscar – ela certamente o merecia por A Chegada. Mas Amy com certeza terá um Emmy em suas mãos em setembro de 2019. Outra que pode reservar espaço na prateleira para uma estatueta é Patricia Clarkson, que conseguiu interpretar uma personagem odiosa com perfeição, deixando um gosto amargo na boca do espectador sempre que aparecia. Eliza Scanlen está começando a atuar, e pelo desempenho em Sharp Objects, terá um futuro promissor.
Sharp Objects prometeu uma revelação chocante, mas ela nem foi tão chocante assim – ou talvez tenham sido minhas habilidades de detetive que me fizeram ficar indiferente à surpresa – e correu um bocado no final, deixando algumas coisas de fora e, assim, decepcionando alguns fãs que leram o livro. Apesar dos pesares, foi bem feita, e trouxe uma discussão muito importante sobre doenças mentais, suas causas e suas consequências para a vida toda.
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