Em meio a Dragon Ball, Naruto, One Piece e One Punch Man, as editoras brasileiras de mangás travam uma batalha pelo público leitor, publicando novas edições de mangás para todos os gostos. Como um bom amante das HQs, gosto de procurar material alternativo, e a Alto Astral, correndo por fora do mercado, vem apostando nos chamados “manfras”, nome dado aos quadrinhos franceses produzidos com o estilo japonês.
França? Isso mesmo, o país europeu foi durante anos o principal articulador dos mangás no ocidente. Só para vocês terem uma ideia, muito do que chegou até nós, pela Conrad, no início deste século, foi através das versões traduzidas para o francês, ao invés do oriental. Foi assim com Os Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball, entre outros. O mercado francês possibilitou um marketing bem grande às produções japonesas, o que acarretou uma influência a muitos artistas e editoras europeus e seguirem fazendo sua arte, até mesmo no sentido de leitura original, surgindo os manfras em questão.
Entre as principais editoras que publicam esse material, um dos nomes mais representativos é o da Les Humanoïdes Associés. Fundada por nomes como Moebius, Jean-Pierre Dionnet, Philippe Druillet e Bernard Farkas, a editora queria apresentar uma a melhor ficção-científica da época, trazendo a Métal Hurlant, que ficaria mais conhecida com a versão dos EUA, a Heavy Metal, uma revista de quadrinhos adultos que apresentou nomes como Richard Corben, Vaughn Bodé, Sergio Macedo, Daniel Ceppi, Joost Swarte, entre outros. Com o tempo, começou a publicar graphic novels e expandiu seu leque de títulos, trazendo a partir dos anos 1980, todo tipo de série em quadrinhos, inclusive os mangás. Uma de suas publicações era a Shogun Mag, que trazia um compilado de mangás originais durante a primeira década deste século.
Recentemente apresentei uma série, Pen Dragon, com a temática fantasia como premissa e foi nesta revista que Mika se apresentou ao mercado com outro títulos como Holy wars de Shaos e Irons.D ou Vairocana, de Moa810, e B.B. Project de Kaze et Shonen. Esses últimos já encardenados pela Alto Astral, que também trouxe o paradoxal e insólito Tengu-Dô, que trataremos de analisar a partir de agora.
Tengu-Dô, tem a frente Alex Nikolavitch, que traduzia quadrinhos da Marvel e da DC para as editoras francesas, chegando na Shogun Mag por indicação de um amigo, que levou a conhecer o jovem Andrea Rossetto, que também assina o título, que a editora Alto Asral trouxe como diz o figurino, em três edições, que podem ser compradas num box ou separadas, capa em cartão e papel off-set, com extras e making-of.
Os autores encaminharam uma narrativa que utilizasse o contexto histórico dos samurais, misturando o olhar de Akira Kurosawa e a arte de Goseki Kojima (Lobo Solitário) com a mitologia japonesa e a viagem no tempo. É bom lembrar segundo Jiback que Alex resgata uma narrativa sua quando garoto sobre viagens no tempo, para o argumento do manfra Tengu-Dô.
Antes de tratar do mangá, ou melhor manfra, precisamos explicar, o que são os Tengu. Tengu, segundo a mitologia, é um nome que se dá a toda uma classe de seres que inicialmente eram mais semelhantes a aves de rapina do que a cães, como era na China. Com o passar do tempo, se tornaram demônios inimigos do budismo, mestres no combate marcial, que se valem de uma série de poderes, como a capacidade de mudar de forma, de tamanho, de criar ilusões, de ventriloquismo, teletransporte e o poder de entrar nos sonhos de quem dorme. Causadores de discórdia e desordem, corrompiam os justos e raptavam jovens para enlouquecê-los. Quem assistiu 47 Ronins deve lembrar desses seres, que já foram utilizados em diversos mangás, animações, rpgs e filmes.
Os autores contam sua história, apresentando um cenário simples, junto a um criador de búfalos e seu filho que deseja se tornar samurai. Contra tudo e todos, o garoto vai de encontro às aulas de um ancião que lhe ensina sobre a arte samurai e os inimigos da humanidade, os tengus. Partindo daí em diante, nos três volumes, encontramos esse jovem, que se entrega ao destino de guerreiro, numa jornada insólita em busca de respostas, que trilha uma paradoxal viagem ao tempo, com reviravoltas em diferentes séculos e lugares num ciclo de acontecimentos que leva a se encontrar consigo mesmo diversas vezes. De algo tão simples se torna tão complexo, que por meio de retomadas na leitura pelo complexo emaranhado temporal, que podemos julgar o título, ele traz a curiosidade da releitura, bem arquitetada pelo autor, dando sentido à narrativa. Damos os parabéns a Nikolavitch.
Em relação a arte, como já foi descrito, segue o estilo de Goseki Kojima, mas que também lembra Avatar: A Lenda de Aang. Como uma história para adultos, segue os clichês do gênero: violência e lutas, monocromáticos, etc. Rosseto segue emulando o jeito mangá, mas em alguns momentos apresenta técnicas de inversão de quadro que segue a linha paradoxal do argumento.
Em suma, um bom título, pela ambientação e roteiro. Mesmo com a arte demasiadamente regular, Tengu-Dô merece uma conferida. E que a Alto Astral traga mais material desses ao público brasileiro.
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