Uma palavra muito presente na internet é Wanderlust – significando vontade de viajar. São milhares de fotos com a hashtag Wanderlust no Instagram, mas muitos de nós só compreendemos completamente essa sensação de anseio por viagens com a pandemia da COVID-19. Com a pandemia também nos voltamos, mais do que nunca, para filmes e séries a fim de fugirmos de nossa realidade. A série The White Lotus, da HBO, surge então para nos fazer viajar para o Havaí, para um resort cinco estrelas, sem sairmos de casa. Para os personagens, serão férias frustradas, mas para o público, é uma sátira sutil.
Nicole Mossbacher (Connie Britton) é uma mulher de negócios que não consegue desconectar do trabalho nem durante as férias em família. Junto com ela viajam o filho Quinn (Fred Hechinger), a filha Olivia (Sydney Sweeney), o marido que não conhece o significado de privacidade Mark (Steve Zahn) e Paula (Brittany O’Grady), amiga de Olivia.
Outros hóspedes são os recém-casados Rachel (Alexandra Daddario) e Shane (Jake Lacy), e Tanya (Jennifer Coolidge), que está lá para espalhar as cinzas da mãe no mar. Tanya se torna próxima da funcionária do SPA do resort, Belinda (Natasha Rothwell), e tentando administrar tudo está o gerente do resort, Armond (Murray Bartlett). Cada episódio corresponde a um dia em uma semana de férias no resort havaiano White Lotus.
Nunca uma minissérie exemplificou tão bem os “white people problems”, em especial com os personagens da família Mossbacher. Nicole chega a dizer para Olivia e Paula que elas devem pegar leve com Quinn porque as coisas estão difíceis demais para garotos brancos heterossexuais no mundo do novo “politicamente correto”. Ao mesmo tempo, as meninas leem livros extremamente cultos e olham para os mais velhos com um ar de superioridade, até que Paula se envolve com um funcionário do hotel, Kai (Kekoa Kekumano) com consequências drásticas.
Praticamente todos os personagens são desagradáveis, difíceis de criar empatia. Privilegiados, não pensam duas vezes antes de incomodar – e muito – os funcionários do resort para terem seus desejos atendidos. Assim como outras produções recentes sobre pessoas privilegiadas – como a série Succession e até mesmo o ganhador do Oscar Parasita – vemos os contrastes entre os ricos e os que trabalham para eles, com os menos privilegiados sendo os personagens mais simpáticos, com os quais nos identificamos. No meio do caminho em The White Lotus está Paula, que não pertence nem ao mundo dos milionários nem ao grupo dos funcionários do resort, e por isso mesmo pode olhar criticamente para ambos – assim como nós podemos e fazemos o tempo todo. É uma pena que a série foque nos personagens ricos horríveis, em vez de tentar dar densidade aos nativos, que permanecem como coadjuvantes.
O criador e diretor da série é Mike White, responsável por trabalhos tão diferentes quanto os roteiros do cult Escola de Rock e da animação Emoji: O Filme. White assina roteiro e direção de todos os episódios e conta que se baseou em suas próprias experiências como turista, ao não conseguir escapar dos problemas durante as férias, para escrever a série.
Curiosamente, a minissérie foi gravada já durante a pandemia. Mike White foi contatado pela HBO para escrever uma série que pudesse ser filmada em uma única locação. Como White trabalha rápido, foram precisos apenas cerca de três meses desde o primeiro contato até o começo das gravações.
Um grande destaque é a trilha sonora, que cria uma estranha sensação de desconforto em meio à paisagem paradisíaca, dando a impressão de que algo ruim sempre está prestes a acontecer – e de fato acontece. Outro detalhe que adiciona tensão são os ângulos de câmera pouco convencionais escolhidos por White, que criam uma sensação de vertigem e claustrofobia.
Inicialmente anunciada como minissérie, The White Lotus foi renovada para uma segunda temporada, com personagens e locações diferentes, se tornando assim uma série de antologia. Bebendo de inspirações dentro e fora da HBO – como a série anterior de Mike White, Enlightened – The White Lotus mostra uma realista guerra de egos num lugar paradisíaco, um contraste que deu certo.
Nota: Bom – 3 de 5 estrelas
Comente!