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Amanda e a oportunidade desperdiçada de explorar o trauma

Todos nós fazemos planos para nossas vidas. Mas, algumas vezes, parece que a vida tem outros planos para nós. Essa quebra de expectativas é explorada em centenas de filmes. E não é difícil encontrar, no cinema de diversos países, filmes com a mesma premissa de Amanda: a de uma pessoa jovem e imatura que de repente descobre que precisa cuidar de uma criança.

David Sorel (Vincent Lacoste) trabalha podando árvores para a prefeitura de Paris e, nas horas vagas, ajuda a alugar apartamentos – em suma, vive de bicos. Vez ou outra ele também cuida da sobrinha Amanda (Isaure Multrier), filha de sua irmã Sandrine (Ophélia Kolb). Um dia, Sandrine, David e Léna (Stacy Martin), amiga de David, combinam de ir a um pirquenique num parque. David se atrasa, o que acaba sendo uma bênção: terroristas passam atirando pelo parque, matando Sandrine e deixando Léna gravemente ferida. Caberá a David cuidar de Amanda.

David está praticamente sozinho: ele conta apenas com a ajuda de uma tia, Maud (Marianne Basler), pois a mãe dele e de Sandrine os deixou há muito tempo, e vive na Inglaterra – mas busca uma reaproximação. Léna, uma vez liberada do hospital, fica assustada com qualquer barulho, lembrando-se dos tiros. Léna passa a acreditar que não conseguirá ajudar David e Amanda, e decide voltar para sua cidade natal no interior, o que tira a possibilidade de se explorar o trauma dos sobreviventes de ataques terroristas.

E as oportunidades perdidas são muitas. Sim, David está chocado com a morte de sua irmã, e parece anestesiado o tempo todo, mas não chegaria uma hora em que ele deveria sentir raiva? Uma hora em que ele pensaria nos terroristas que mataram sua irmã e pediria por justiça ou vingança? Quem são estes terroristas, afinal? O filme Amanda não se atreve a nomear ou sequer mostrar os terroristas, o que é interessante e foge da polêmica, mas em determinado momento David e Amanda passeiam no parque e observam uma cena de intolerância religiosa, que poderia ser mais aprofundada, mas apenas está lá como algo que já se tornou cotidiano.

A cena de David contando a Amanda sobre a morte de Sandrine é capaz de nos levar também às lágrimas, que demoram a vir para a menina, mas são rápidas e verossímeis na atuação de Vincent Lacoste. É bom que David não tenha medo de demonstrar fraqueza ao chorar junto a familiares e amigos – afinal, numa situação como a do filme, ninguém fica forte por muito tempo. É também palpável o sofrimento dele quando não consegue dizer a uma conhecida que Sandrine faleceu.

A metáfora do jogo de tênis – esporte praticado por David na infância e esporte presente em Wimbledon, campeonato para o qual Sandrine compra entradas antes de morrer – vai muito além do toma-lá-dá-cá da bolinha: está presente também na maneira como Maud e David se revezam para cuidar de Amanda nos primeiros tempos. É a metáfora da superação, do jogo que só acaba quando termina, da necessidade de não desistir nunca, mesmo nos momentos de fraqueza, quando tudo parece perdido.

O trauma é um tema universal. O sofrimento é um tema universal – e aqui destaca-se o sofrimento transmitido por Lacoste, talentoso jovem ator. Filmes sobre jovens que de repente precisam cuidar de crianças são muitos. Filmes viscerais sobre trauma são poucos – e Amanda desperdiça a chance de ser um deles.

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