Filmes baseados em casos reais parecem exercer um fascínio para além do universo do realizador, mas também do espectador que busca naquela estranha e aparente legitimidade dos fatos uma potencialidade a mais em sua experiência fílmica. Quando há casos morbidamente misteriosos, em que passam anos e anos sem que encontrem uma solução, essa relação é ainda mais “atrativa”.
Depois de se notabilizar no ramo dos documentários, o diretor Andrew Jarecki faz sua estreia na ficção com o tenso Entre Segredos e Mentiras, onde radiografa o famoso desaparecimento de Kathleen McComack — mulher de Robert Durst, herdeiro do ramo imobiliário de Nova York — em 1982. Na tela, Kathleen vira Katie Marks, e some numa época em que seu casamento com o descontrolado milionário David está em franca derrocada. Anos depois, com a reabertura do caso, ele é intimado a depor.
Jarecki “documenta” a história do casal dando enfoque (um tanto psíquico) na inconstante persona de Robert, que por razões óbvias, no filme passa se chamar David. A trama vai passeando pela relação que ele vê surgir com Katie (uma menina bem diferente de seu universo), da sua degradada e ressentida relação com o pai autoritário (Frank Langella, ótimo) e de uma certa inadequação social que seus traumas agregaram à sua vida.
É com precisão de documentarista que o diretor vai mostrando esse cenário, que é de suma importância para trazer organicidade ao desequilíbrio crescente que David vai sofrendo. Claro que isso implica numa cisão gritante entre o casal, principalmente pela diferença de personalidades e objetivos de ambos. Acompanhar essa desconstrução requer muita segurança para não cair no maniqueísmo e isso Jarecki demonstra ter de sobra: sua câmera vai transitando pelo gêneros sem tentar estilizar os fatos, deixando-os correr de acordo com as necessidades – reais – de seu assertivo roteiro.
Até a lacônica conclusão, o filme vai passando por reviravoltas sucessivas, mas sempre amparadas pelo sentido de sua referência impressionante dos fatos. Ryan Gosling e Kirsten Dunst estão sensacionais nas composições de seus personagens. É até curioso notar essa escalação, uma vez que ambos estão a cada novo trabalho, trilhando seus talentos para a pecha de “melhores de sua geração”. Seja pela perturbadora composição de Gosling, seja pelo domínio cênico de Kirsten. Os dois são de extrema importância para o êxito quase incontestável do filme. E Andrew Jarecki reafirma a tônica da bem vinda linha tênue entre ficção e documental.
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