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“Família” (2024) mostra o cotidiano de imigrantes brasileiros no Japão

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Muito se fala sobre a imigração japonesa para o Brasil, que completou um século com festa em 2008. Mas o caminho inverso também existe e foi trilhado por muitos, que receberam uma denominação generalizada para estrangeiros trabalhando no Japão: “dekasseguis”. Ver diversas bandeiras brasileiras em ruas nipônicas, assinalando lojas e mercadinhos, indica que o fluxo de imigrantes brasileiros para o Japão merece ser assunto de conversa – e, naturalmente, de cinema. São os dekasseguis brasileiros, junto a um ator japonês de destaque, que protagonizam “Família”, de Izuru Narushima.

Manabu e Nadia são recém-casados, num casamento morganático, isto é, entre duas pessoas de classes sociais diferentes. Numa noite, os caminhos de Manabu e de seu pai Seiji (Koji Yakusho), um ceramista, se cruzam com o de Marcos (Lucas Sagae) e de sua simpática namorada Erika (Fadile Waked), dois brasileiros vivendo num conjunto habitacional. Marcos está em apuros porque ajudou um amigo que devia dinheiro a uma gangue barra-pesada, que agora está atrás de Marcos. Quando Manabu volta para seu emprego numa usina elétrica na Algéria, Marcos passa a fazer as vezes de filho para Seiji.

O “sonho japonês” era o que movia e alimentava imigrantes como o pai de Marcos, mas a recessão foi um duro golpe para estes mesmos imigrantes que, descartáveis como peças de máquinas, se viram de repente sem emprego numa terra estrangeira hostil onde não era, no final das contas, possível comprar uma casa com as economias de três anos de trabalho. Dali em diante, Marcos passou a acreditar que só quem é privilegiado pode ter sonhos.

O grande vilão, Kaito Enomoto, de cabelo azul e sempre fazendo cara feia, é unidimensional e sem nuances. Não cola nem sua razão para odiar os brasileiros: uma tragédia familiar causada por um motorista brasileiro bêbado. É um mafioso xenofóbico que um usuário do Letterboxd chamou de “otaku de uma novela da Glória Perez” e a descrição fez todo o sentido.

A cena de briga entre Kaito e Marcos não é convincente, mas a briga entre Seiji e um capanga de cabelo rosa é inclusive aflitiva. A atriz que faz Erika atua melhor em japonês que em português, mas não há muito o que atuar em português: os dekasseguis brasileiros são demasiadamente estereotipados, retratados como meio burros. O mesmo vale para os argelinos, mostrados como terroristas.

Ano passado, Koji Yakusho ganhou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes por sua performance em “Dias Perfeitos”, aventura do diretor alemão Wim Wenders em terras nipônicas. Yakusho, que anseia que “Família” seja apreciado também pelos japoneses vivendo no Brasil, tem uma curiosa ligação com nosso país, conforme declara:

“Quando comecei a atuar, meu primeiro papel foi o de um japonês chamado “Imigrante A” que foi para a Amazônia no Brasil, e o filme foi realmente filmado em uma área chamada Tomé-Açu. Era uma história sobre imigrantes japoneses que lutam no Brasil”.

Os dekasseguis brasileiros já são 300 mil, incluindo dois protagonistas de “Família”, em sua morna estreia no cinema: Lucas Sagae é lutador de kickboxing que vive no Japão desde criança e Fadile Waked é uma líbano-brasileira nascida em Manaus que foi para o Japão aos nove anos.

Qual seria a reação de Yasujiro Ozu diante de um baile funk? O cineasta japonês, cronista do cotidiano, jamais filmou essa peça cultural tão brasileira, mas se a filmasse, seria num filme cheio de contrastes entre seus temas comuns e a câmera apontada para o Brasil. Oriente e Ocidente são por si só contrastantes, principalmente nos costumes. Ao afirmar, com todos os frames, que família não precisa ser só o parente de sangue, o filme aproxima os povos e as culturas, porque no fundo, japoneses e brasileiros – mesmo com os estereótipos gritantes – não são tão diferentes assim.

“Família” (2024)

“Família” (2024)
6 10 0 1
Nota: 6/10 Bom
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6/10
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