Inspirado no livro homônimo de Keiichiro Hirano, Um Homem, do diretor japonês Kei Ishikawa, retrata uma história em duas partes. Inicialmente, Rie, uma mãe divorciada interpretada por Sakura Ando que está passando pelo luto da morte do pai, encanta-se por Daisuke, interpretado por Masataka Kubota, um jovem misterioso e tímido recém chegado à cidade. Percebemos que existe algum conflito interno nele, mas estas questões só serão explicadas no segundo e mais longo momento da trama.
O prólogo constrói a ideia de uma incrível cumplicidade entre o casal, que se expande para uma convivência harmoniosa no núcleo familiar e no âmbito do trabalho. Felicidade esta que será interrompida pela inesperada morte acidental de Daisuke.
À partir daí, revela-se que este não era realmente quem dizia ser, e para resolver pendências burocráticas, assim como inquietudes da família, o advogado Akira (Satoshi Tsumabuki) irá investigar sua verdadeira identidade. O envolvimento de Akira na intrigante busca pela origem do falecido acaba trazendo à tona questionamentos internos ligados à sua própria noção de si.
Tangenciando a trama principal, o diretor traz, de maneira bastante didática e explicita, reflexões em torno de sintomas de uma sociedade cada vez mais ameaçada por valores da extrema direita. Sintomas estes que se manifestam na forma da xenofobia japonesa contra imigrantes coreanos (vestígios ainda de uma longa guerra que ocorreu no século XX) e também através do preconceito em relação a pessoas que carregam algum tipo de mancha em seu passado.
Vivemos em um momento de extrema contradição entre supostos valores cristãos e uma crescente intolerância que pauta a onda de conservadorismo. Somos rápidos em julgar e condenar os outros. O diretor quer então chamar atenção a todos estes gestos simbólicos que fazem proliferar o preconceito e as estigmatizações.
Na trama, as personagens que se vêem forçadas a mudar de papel são: um jovem de uma família rica que cometeu muitos erros em sua juventude e um rapaz cujo pai havia cometido um crime hediondo. No caso deste segundo, ele mesmo se impedia de viver uma vida tranquila pelo medo de seguir os passos do pai, e se maltratava pela culpa internalizada de ter em sua história a herança de um trauma tão violento. Ambos queriam ter a chance de uma vida nova, distante do julgamento dos outros e de suas ideias pré concebidas.
“Um Homem” mostra que quando somos tachados de determinada coisa, é muito difícil escapar a este rótulo. Os rótulos acabam se tornando moldes que nos aprisionam a um padrão de comportamento, dificultando nossos esforços de sermos diferentes e até mesmo impedindo a possibilidade de encontrarmos novos caminhos.
Isso é pontuado tanto em se tratando de pessoas inocentes como também de pessoas que cometeram crimes e que são condenadas à pena de morte, seguindo uma suposição recorrente de que elas não teriam capacidade de mudar ou de que não mereceriam uma segunda chance.
Ao longo do processo de busca, o filme oscila entre uma narrativa mais dramática e uma linha que tende ao thriller psicológico. Particularmente, eu sinto que não há uma costura tão bem feita entre esses dois caminhos, e que ambos sofrem de dosagens exageradas em determinados momentos.
Mas estes são detalhes que não desmerecem o esforço do diretor Kei Ishikawa, que assim como o coreano Park Chan-wook e o também japonês Hirokazu Kore-eda utilizam a arte do cinema para nos ajudar a lembrar que a vida tem muitos mais matizes cinzas do que uma suposta dualidade entre preto e branco, certo e errado. E tentam nos ajudar a trazer pra nós mesmos questionamentos em torno ao nosso senso de humanidade, solidariedade e compaixão, sentimentos estes que estão em falta…