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Festival do Rio: "Garota Exemplar" e a obscuridade de nossas próprias máscaras

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Nada pode ser mais obscuro que nossas próprias máscaras. São através delas que lidamos com profusões de conceitos. Próprios e/ou alheios. A escritora Gillian Flynn fez desse paradigma sua alegoria sobre o jogo de aparências por trás do desaparecimento de Amy Dunne, em seu best-seller Garota Exemplar, que agora chega aos cinemas pelas mãos – especialistas em investigar obscurantismos ficcionais – de David Fincher. A força da história é tamanha que Gillian também escreveu o roteiro do filme, que segue (assertivamente) a risca sua matriz literária. Numa certa manhã de julho, Amy (uma interpretação arrebatadora de Rosamund Pike) desaparece, sem deixar vestígios, além de indícios de ter sido machucada e arrancada de casa. Era aniversário de casamento dela com o marido Nick (Ben Affleck, em correta acepção de seu papel), um escritor fracassado e acomodado em sua condição. Com o desenrolar das investigações a culpa vai recaindo sobre Nick, preso aos novelos das circunstâncias. Seria ele realmente inocente? Há mais fatores nessa intriga que precisam ser analisados? Fincher é genial na construção narrativa de uma ambiguidade que perpassa a noção de anti-heroísmo dos dois protagonistas.

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O cineasta sabe que trafega pelo universo do cinismo, já que estamos diante de histórias que nunca são, mas sempre estão sendo de acordo com a idealização de um ponto de vista. Esse jogo narrativo é intrigante, e o domínio de Fincher nesse paradoxo faz com que nossa assimilação esteja o tempo todo sendo questionada. O roteiro transcende a ideia de viradas narrativas. A história vai se desenvolvendo numa evolução dramática meticulosa, justificando a humanidade de seus seres. como podemos perceber na incorporação extremamente rica em nuances da atriz Rosamund, que traz em si toda a complexidade dramatúrgica que reside em Garota Exemplar. A força dessa junção de fatores – em que pese uma trilha sonora excepcional, que alinhava tensão e catarse sem subir o tom desse intuito, além da fotografia soturna e misteriosa – resulta num dos melhores filmes de Fincher, onde ele pode exercitar toda sua objetividade na função de expor o circo (midiático e íntimo) de sua trama, para assim revelar o que tem por trás desse empilhamento de máscaras.

Talvez quem leu o livro perca um pouco do impacto do desenrolar de tudo, mas ainda assim, quando chega no fim, a perturbação resultante da frustração de uma projeção – do outro e até de si mesmo perante esse outro, é o gosto amargo que o filme deixa. Nada pode ser mais obscuro que nossas próprias máscaras, e esse excelente filme vai fundo nessa intensidade, mesmo quando nossas máscaras caem em nosso colo. Um dos melhores filmes de 2014!!!

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