Para bem do bom cinema o cineasta Francês Jean-Luc Godard está vivo e, o melhor de tudo, produzindo. Antonomásia da Nouvelle Vague, o cineasta ainda mostra pujança ao comandar as câmeras mesmo do alto de seus 84 anos (completa 85 em 3 de dezembro).
Godard é um raro espécime de uma era em que o cinema era uma poderosa arma revolucionária. Nascido em Paris, estudou na Suíça e depois na Universidade de Paris. Godard passava muito tempo nas exibições de filmes da Cinemateca Francesa, à época sob curadoria de Henri Langlois. Foi por meio dessas sessões que ele se aproximou de outros jovens críticos de cinema, que posteriormente se tornariam figuras proeminentes na Nouvelle Vague francesa, incluindo François Truffaut, Eric Rohmer e Claude Chabrol.
Nas exibições da Cinemateca, Godard experimentou uma ampla variedade de filmes que abrangiam toda a história do cinema. Seu último longa metragem fora “Film Socialisme“, que dividiu opiniões, mas estava fielmente comprometido com a tradição de explorar uma ampla variedade de assuntos importantes, contemporâneos, vistos através de seu estilo cinematográfico. Agora, o francês se apodera da tecnologia 3D, ampla e quase obrigatoriamente usada no cinemão blockbuster, para dar vazão a uma obra ensaísta, eivada de questionamentos existenciais.
É essa a concepção de “Adeus à Linguagem” (Adieu Au Langage, França/2014).
E não é a primeira experiência do diretor com o tridimensional. Ele já havia feito uso do recurso em “3 X 3D”, de 2013, um filme dividido em três segmentos em que cada diretor se utiliza da técnica. Aqui ele continua seu experimento, dispondo na tela o que seria a nouvelle vague de posse desta tecnologia. São enquadramentos ousados, uso variações cromáticas e corte e colagem de sequências de imagens servindo de ligação no estofo narrativo. Em alguns momentos o uso do 3D é realmente desconcertante, propondo um desafio ao espectador que, invariavelmente, será acometido de um susto inicial.
“A ideia é simples: uma mulher casada conhece um homem solteiro; eles amam, eles discutem, punhos ao vento; um cachorro vaga entre a cidade e o campo; as estações passam.”
A narrativa, que gira em torno do clássico homem encontra mulher e seus desdobramentos, serve como veículo para que a volúpia do cineasta pelas linguagens verbal e estética se locuplete, desembocando em uma torrente sensorial. Mesmo não tendo uma estrutura narrativa convencional, a trama possui relevância por sua organicidade. E no final o que resta é a metáfora, expressão estampada como título ao iniciar um segmento. A proposta de “Adeus à Linguagem” é justamente um rompimento com a linguagem convencional, convidando a uma fuga do comodismo.
Raros cineastas têm a coragem de tal empreitada. Godard a tem. E que felicidade tê-lo vivo e em atividade, imbuído do espírito do movimento que ajudou a fundar, proporcionando uma experiência ímpar ao espectador. Para o bem do bom cinema.
Comente!