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Harry Potter e as Relíquias da Morte, parte I: perigo real e imediato

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Harry Potter cresceu. O indivíduo e o universo que o cerca cresceram. Mas esse amadurecimento conferiu um preço alto à sua existência. “Vivemos em tempos sombrios”, é a primeira frase que se diz, bem na abertura de Harry Potter e as Relíquias da Morte (parte 1), que vem a ser a primeira parte do último livro homônimo da franquia escrita pela britânica J. K. Rowling. E esta espécie de prólogo diz muito sobre o que veremos nas quase duas horas e meia seguintes. Todo o lirismo fantástico dos filmes anteriores é substituído pelo ímpeto quase Hamletiano, onde a morte (ou seu espectro) está por toda a parte, e Harry conjuga seu conflito entre a busca por uma resposta e o medo de ser o que é (ou quem é).

A trama se firma na iminência de uma guerra entre os que querem o poder supremo e os que precisam combatê-las pela sobrevivência. É o filme mais sanguinário da franquia, onde muitas mortes acontecem (uma em especial é de cortar o coração!) e a tensão é mantida a cada segundo, com perseguições – a crueza dessas cenas as tornam impecáveis técnica e emocionalmente – e boa dose de suspense. Voldemort conseguiu se apoderar do Ministério da Magia e de Hogwarts e, sepultando o legando de Dumbledore, inicia uma caça sagaz a Harry e a tudo o que seu passado representa. Dito isto, Harry precisa destruir a imortalidade de Voldemort, o que se mostra bem mais complexo quando ele conhece um esquecido conto sobre as tais “Relíquias da Morte”, três poderosos objetos do mundo dos mortos: a capa da invisibilidade, a pedra da ressurreição e a varinha de Sabugueiro, esta que Voldemort precisa para matar Harry.

Rowling é uma escritora inteligente: sacia seus milhares de leitores com um universo rico em significações e ainda sabe alinhavar muito bem os devaneios que a sua própria fantasia propõe. Aliás, algo que Stephenie Meyer, criadora do universo Crepúsculo, nunca resolveu bem em suas obras. Na sessão para jornalistas da qual assisti esse filme, percebi certa discussão entre os espectadores sobre comparações entre as duas franquias, mas não acho que se comparam. O universo de Harry Potter é muito mais rico em camadas de observação e até mesmo em metáforas da temida perda da inocência, tributo do qual temos que pagar quando viramos adultos. Em termos de comparação, guardadas as devidas proporções, a obra de Rowling resvala mais na grandiloqüência de O Senhor do Anéis, onde a relação com o poder é sempre a tônica de um discurso.

A trajetória do livro em filme é irregular, mas bem sucedida, principalmente por conseguir dar forma a um universo tão necessitado da imaginação lida – algo que filmes como A Bússula de Ouro e Eragon não foram capazes de transgredir. Os primeiros filmes – Harry Potter e a Pedra Filosofal e Harry Potter e a Câmara Secreta – levaram a burocrática e reverente assinatura de Chris Columbus; o terceiro, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, dirigido por Alfonso Cuarón, foi o que mais evocou personalidade e considero o melhor de todos. Já O Cálice de Fogo de Mike Newell, destacou-se mais pela exacerbação da puberdade do elenco do que outras coisas. E, a partir do quinto e (para muitos) mais complicado livro da saga, a direção vem sendo feita pelo inglês David Yates, que vem com a expertise da TV britânica e uma certa subversão a forma (quase) clássica que a franquia vinha mantendo. Tanto que A Ordem da Fênix era quase clipada, com interessante referência documental (televisiva); logo em O Enigma do Príncipe, essa conjuntura resultou num filme mais emperrado a conceitos.

Mas todas essas experiências foram necessárias para que Yates chegasse a esse resultado final, uma vez que As Relíquias da Morte é seu filme mais perfeito: desde a trilha dramática e expressiva, até a impressionante fotografia galesa, passando por momentos de extrema sensibilidade, como a dança que Harry e Hermione (Daniel Radcliffe e Emma Watson, muito seguros em seus tradicionais papéis) fazem em meio ao caos que estão passando; a cena da mesma apagando a lembrança de sua família e até a nudez dos dois, num trecho marcado pela confusão instintiva de Ron (Rupert Grint, sempre hilário). São momentos do filmes notadamente marcados pela ousadia e, por que não, inventividade.

O grande mérito desta primeira parte final de Harry Potter nem é só o amadurecimento de sua própria história, mas também a forma como consegue diluir um tema tão pesado como a urgência da morte para gerações tão novas, o grande foco da bilheteria. É quase Bergman para baixinhos.

No fim, assustadoramente pessimista, ficamos com a mesma sensação de Harry, um sentimento de claustrofobia em que crescemos para desafios maiores. O filme, a priori, conseguiu superar esse desafio. Resta agora a movimentada segunda parte que, espero não repita o trauma de Matrix, onde o Revolution foi infinitamente inferior ao Reloaded. Mal posso esperar…

Obs: Preciso externar que nesta parte da franquia a química de Harry e Hermione só reforça o que eu sempre disse: os dois deveriam ser sim o casal central da história. Divago…

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