Filmes

“Inquietos” é uma notável delicadeza mal amparada

Compartilhe
Compartilhe

 

Na belíssima canção Feito pra acabar, o cantor revelação Marcelo Jeneci diz que “a gente é feito pra acabar e isso nunca vai ter fim”, numa visão poética e fatalista das inquietações e perspectivas da vida. Pois foi nesses versos que fui remetido ao fim da sessão de Inquietos, drama dirigido com a marcante sensibilidade de sempre do cineasta Gus Van Sant.

O filme acompanha o delicado encontro entre dois jovens que, cada um a sua maneira, convivem com seus sentimentos de inadequação e exprimem uma atratividade pelo universo misterioso da morte. Enoch (o iniciante Henry Hopper, filho do ator Dennis Hopper, morto ano passado), órfão que mora com a tia e Annabel (Mia Wasikowska, a heroína da versão de Tim Burton para Alice no País das Maravilhas) se conhecem num velório e, após um início de resignação (da parte dele) passam a conviver juntos e, claro, apaixonam-se. Trata-se de dois universos distintos que se unem pela mesma tentativa de dessacralizar o viés mórbido da partida. Enoch, que perdeu os pais num acidente, faz do luto um sentido para sua obtusa vida, ou seja, sua insociabilidade confronta com a vitalidade contrastante de Annabel, que parece encarar o seu câncer terminal de forma leve e com um apurado senso de aproveitamento da vida.

Gus é um diretor que usa sua extrema sensibilidade a favor da economia cênica. Seja por uma trilha utilizada, seja pela exposição de sentimentos, seja pela sutileza com que impõe uma mensagem. A trama em si era uma armadilha não só para dramalhões românticos a la Nicholas Sparks, como para estilismos de filmes indies. Porém, o cineasta soube costurar muito bem sua (quase) fábula e ainda transformar uma batida história num microcosmo revigorado.

O problema é que o roteiro (de Jason Lew) não acompanha o preciosismo da direção. Ainda que construa bons diálogos, Lew se enrola na pretensão das metáforas que procura criar. O desenvolvimento de um “fantasminha camarada asiático” (!) com o qual Enoch mantém uma esquisita amizade é banal e não contribui em nada para a história. Como ele permeia todo o filme, isso enfraquece demais o lirismo que Gus procura construir. É o caso do filme em que (fraco) roteiro e (boa) direção entram em desacordo.

No fim, mas precisamente, na última cena, a força cinematográfica de Gus Van Sant vence, numa inteligente conclusão de deixar nossos corações… Inquietos!

[xrr rating=3/5]

Compartilhe

Comente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sugeridos
CríticasFilmes

“Vitória” se apoia na força da atuação de Fernanda Montenegro

Ter uma atriz com a história de Fernanda Montenegro, do alto dos...

FilmesNotícias

Village Roadshow, produtora de Matrix e Coringa, declara falência

A produtora americana Village Roadshow Pictures, que realizou filmes como “Coringa” e os quatro longas...

CríticasFilmesLançamentos

O Melhor Amigo: um musical alto-astral

Em 2019, quando “Pacarrete” conquistou os corações e os prêmios em festivais...

CríticasFilmesLançamentos

Parthenope: Os Amores de Nápoles

Juntas, elas têm 26 Oscars de Melhor Filme Internacional. Itália e França,...

CríticasFilmesLançamentos

“Máquina do Tempo” muda o rumo da História com narrativa ousada

Se você gosta de História tanto quanto eu, já deve ter se...

AgendaFilmes

CAIXA Cultural Rio de Janeiro recebe mostra gratuita da cineasta Paula Gaitán

A CAIXA Cultural Rio de Janeiro apresenta, entre os dias 6 e...

FilmesPremiaçõesVideocastVideos

Por que Fernanda Torres perdeu o Oscar?

O Brasil está em festa pela vitória de “Ainda Estou Aqui” no...

FilmesNotíciasPremiações

Oscar com vitória inédita do Brasil leva clima de Copa do Mundo ao Carnaval

Foi uma situação atípica no último domingo (2). Um Oscar no meio...