Caminhamos para o final do filme, momento em que as transformações ocorridas através da arte, e acredito que através do convívio também, vão se tornando cada vez mais concretas e irreversíveis. Devo, então, fazer o mesmo e expor algumas mudanças que afetaram a mim e que, certamente, afetarão a outros de diferentes formas.
A exatamente 1 ano atrás, eu era estagiária na renomada produtora O2 Filmes, de Fernando Meirelles. Lembro-me muito bem de entrar todos os dias pela porta e dar de cara com vários pôsteres de filmes numa das paredes, que haviam sido produzidos lá. Um deles, aliás o maior deles, era o de “Lixo Extraordinário”. Também me recordo de sempre passar por aquele pôster e não entender o desenho: um homem deitado em uma banheira, com um turbante? Uma espécie de pintura colorida, bonita de se ver, mas que não fazia sentido aos meus olhos desinformados.
É impressionante como passamos a vida toda repetindo atos, ideias, construindo cotidianos, rotinas e deixando com que os lugares, as pequenas e até as grandes coisas de todos os dias nos passem despercebidas. Assim como eu não “via” de fato o maior pôster das paredes da O2, os catadores do Jardim Gramacho também não tinham a percepção de que todo aquele lixo podia se transformar em arte. Vik Muniz, então, fez uma tentativa de transformar a vida dessas pessoas através da arte, que seria produzida a partir do material mais presente e que perpassava todas as relações do dia-a-dia delas.
Se você não conhece esta obra de Vik Muniz feita de lixo, a sensação é de que isto não vai ser possível. Ou vai, mas em um sentido pejorativo de arte moderna, de uma coisa feita por um artista renomado que não se entende o significado nem mesmo se vê sua beleza, mas que é digna de ser arte vinda de quem veio. Mas o resultado é real e salta aos olhos, cara pálida!
Oportunamente, estava acontecendo em São Paulo uma exposição de Vik Muniz no Tomie Ohtake chamada de Relicário. A experiência de ir a uma exposição de um artista plástico logo após ter assistido “Lixo Extraordinário” é completamente outra. E principalmente quando se vai acompanhado, pois é interessante ver a percepção do outro que, naturalmente, influencia na sua própria percepção. No meu caso, fui com minha irmã.
Boa parte das peças expostas transmitiu-nos a sensação de agonia, sufoco, desespero. Um Mickey cheio de pregos, uma enciclopédia de um volume só, um crânio com um nariz de palhaço e as mais agonizantes como um sarcófago feito de tupperware, uma ampulheta com tijolos do lado de cima (como um dia eles vão passar para o outro lado?) e uma caixa intitulada A Coisa, que parecia ter um ninho de passarinho dentro, mas estava trancada! Essas e outras histórias nós é que criamos a respeito de cada peça de Vik Muniz exposta no Tomie Ohtake. Relicário, que ficou em cartaz até o dia 24 deste mês, reuniu 30 trabalhos antigos do artista plástico, alguns inéditos e outros mais conhecidos como as sensacionais torradas com os rostos de Mona Lisa, Che Guevara e Albert Einstein.
A certeza de que “Lixo Extraordinário” me fez entender mais o sentido da arte é absoluta. Um entender a partir dos olhos de outros, como revela a conversa entre Vik Muniz e Tião no filme quando o artista pergunta ao catador o que ele acha de arte moderna. Veja o trecho abaixo:
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=pgQBxVUoEwQ[/youtube]
“E agora José?” – Fechamento do aterro do Jardim Gramacho:
Sabe aquela parte em que algumas imagens vão aparecendo e frases indicam o que aconteceu com os personagens depois do filme? Bem, é aí que estamos. E para trazer uma informação bem fresca a vocês, preciso dizer que o aterro do Jardim Gramacho, onde todos estes personagens fantásticos costumavam trabalhar, estará encerrando suas atividades em dezembro de 2011.
Há muito tempo o aterro vem representando um grande perigo socioambiental. Seu solo argiloso, devido à região que antes era um manguezal, pode deslizar a qualquer momento com todo aquele lixo que carrega – aproximadamente 80% de todo o lixo produzido na região metropolitana do Rio de Janeiro – e atingir a Baia de Guanabara.
Mas não há só lixo no aterro do Jardim Gramacho, há também seres humanos, trabalhadores e são cerca de 5 mil deles. Por isso, por eles, por tudo Tião dos Santos, o presidente da Associação de Catadores do Jardim Gramacho, aquele que aprendeu a ser um líder com Maquiavel, vem brigando pelos direitos destes catadores de material reciclável. Ele luta por cursos que os capacitem para o mercado, por um seguro desemprego, por caminhões para que a coleta de material reciclável continue, luta para torná-los uma categoria social reconhecida e respeitada de trabalhadores.
“Quem sou eu para ajudar qualquer pessoa? No final, eu sinto que eu é que estou sendo ajudado mais do que eles.” Vik Muniz
Trailer Oficial de “Lixo Extraordinário”:
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=sNlwh8vT2NU[/youtube]
[xrr rating=4.5/5]
Título Original: Waste Land
Direção: Lucy Walker
Duração: 99 min
Para mim arte é um blog sobre rpg e afins que não tenha 70% da página prenchida com anúncios de jogos online e publicidades similares. O que não é o caso.
No caso do Vik Muniz (e Damin Hirst e Lucian Freud e Chuck Close e Jackson pollock e…) por outro lado, é como a história da roupa do rei pelado. Só existe para os inteligentes. Grandes m*rdas pegar lixo e copiar fotos ou pinturas. Quero ver eles fazerem algo significativo, que mude verdadeiramente nossa vida (assim como o afresco da capela sistina ajudou a moldar a imagem de deus como um ser antropomorfico e barbudo), que tenha algum valor verdadeiro ao invés de especulativo e que vá ser lembrado daqui a um tempo.