Uma obra se torna um verdadeiro clássico quando ela consegue atravessar o tempo e manter a sua relevância, apesar de tantas mudanças que ocorrem em nossa sociedade, e consegue ainda refletir e tocar nossos corações, mesmo tantos anos após seu lançamento.
O livro mais famoso de Antoine de Sanit-Exupéry é um ótimo exemplo disso e até hoje tem fãs ardorosos de várias idades, que conhecem passagens de cor, e tem dezenas de edições diferentes, das mais simples e baratas às com melhor acabamento e mais caras, mas sempre com boas vendas. A história já foi adaptada diversas vezes e de várias formas, seja no cinema, na televisão ou no teatro. Mas a sua mais recente, “O Pequeno Príncipe” (“Le Petit Prince”, 2015), chama a atenção pela maneira inventiva de contar uma trama que muita gente já conhece, mas por um ângulo diferente e até então nunca imaginado e que consegue encantar, divertir e emocionar não só crianças, mas também os adultos.
A história é mostrada pelo ponto de vista de uma menina, que vive com sua mãe controladora e obcecada pela perfeição. Um dia, as duas se mudam para uma casa para que a garota possa se dedicar a uma prova para passar para uma conceituada escola, enquanto a mãe, que criou todo um esquema especial para que a filha tenha um futuro ideal (segundo a sua visão), trabalha sem parar.
Mas as coisas mudam quando um acidente que ocorre na casa do vizinho chama a atenção da menina para o exótico morador. Aos poucos, os dois desenvolvem uma bela amizade e o vizinho conta para ela a história de quando um aviador conheceu o Pequeno Príncipe, um jovem que morava num asteroide e viaja por vários planetas, após um acidente com o seu avião no deserto do Saara. A partir daí, a menina passa a ver a vida de uma maneira diferente e passa por experiências que desenvolvem a sua sensibilidade e vão mudar o seu jeito de ser.
O que chama a atenção em “O Pequeno Príncipe” é a forma encontrada para contar a história, que já é bem conhecida, de um jeito até então nunca visto, estendendo o que já se sabe para mostrar o que poderia ter acontecido com seus personagens, como uma espécie de continuação, mas respeitando as características originais e criando uma identidade com espectadores de diversas faixas etárias. Assim, as lições de vida que Sanit-Exupéry queria passar são mantidas em sua essência, mas procuram dialogar com uma nova geração que, provavelmente, não conhece o livro.
O roteiro, escrito por Bob Persichetti é bastante feliz ao criar bons personagens, especialmente os dois protagonistas, que cativam com a bela amizade que vai crescendo de forma convincente, gradativa e natural. Além disso, o texto não esquece as principais passagens da história e suas frases mais conhecidas, como “O essencial nos é invisível”. Outro acerto foi não vilanizar completamente a mãe da menina, pois ela realmente acredita estar fazendo o melhor para a menina, mesmo quando coloca as obrigações na frente de todas as coisas, impedindo-a de viver como uma criança normal.
O diretor Mark Osborne, cujo crédito mais famoso é seu trabalho no comando de “Kung Fu Panda”, conseguiu criar (junto com sua equipe de animadores) belíssimas sequências, tanto em computação gráfica, quando a história é centrada na menina, quanto em stop motion, nos momentos voltados para o Pequeno Príncipe. O resultado, além de inventivo, é bastante delicado e envolvente. permitindo que o público seja arrebatado pelo que é mostrado na tela.
O único porém fica perto da parte final, onde o sentimentalismo, até então contido, fica um pouco mais piegas, que impede que a animação fique ainda melhor. Mas, mesmo assim, a produção está acima da média das que foram apresentadas este ano, perdendo apenas para “Divertida Mente”, ainda a melhor do ano até agora.
A dublagem brasileira está muito bem feita e devem ser destacados os trabalhos do ator Marcos Caruso, como o aviador, e a estrelinha Larissa Manoela (das novelas “Carrossel” e “Cúmplices de um Resgate”) como a menina. Mas é uma pena que são poucas as cópias legendadas no Brasil, já que a versão francesa conta com as vozes de astros como Vincent Cassel, André Dussollier e Guillaume Canet, enquanto a versão em inglês tem, entre seus dubladores Jeff Bridges, Rachel McAdams, Benicio Del Toro, Paul Rudd e Marion Cotillard (que dubla a Rosa nas duas versões), entre outros. Vale conferir o filme com o áudio em outros idiomas, só para sentir a diferença numa obra com tantas qualidades.
Com um tocante desfecho, “O Pequeno Príncipe” cumpre o seu objetivo de emocionar o espectador e fazê-lo refletir sobre o que é realmente importante na vida que nós levamos, já que, muitas vezes, deixamos de admirar as coisas realmente importantes e não vivemos como deveríamos, o que torna o livro de Antoine de Sanit-Exupéry incrivelmente atual. Afinal, como diz a Raposa num momento do filme: “Somente com o coração, conseguimos enxergar”.
preciso assistir!