Philip K. Dick foi um dos grandes mestres da literatura de ficção científica e os estúdios de Hollywood estão sempre dispostos a usufruir de seus textos – principalmente de seus contos – quando ficam sem novas idéias ou sequências de outras franquias para produzir. Não que essas adaptações se tornem blockbusters, mas feitas com a receita certa – um ou dois nomes bastante conhecidos do público, um diretor que não atrapalhe os produtores e orçamento limitado – as bilheterias são boas o suficiente para satisfazer todos os envolvidos, independente da qualidade do filme. Mas também não podemos afirmar que tudo o que K. Dick escreveu é ouro puro que se desfaz em Hollywood, já que ele foi bastante prolífico e suas obras são sempre mais cercadas de boas idéias do que bem executadas.
Os Agentes do Destino (The Adjustment Bureau), por exemplo, é baseado num obscuro conto publicado nos anos 50, onde um corretor de imóveis acaba descobrindo que há forças superiores trabalhando de maneira nada sutil para que seus importantes planos para a humanidade não saiam dos trilhos, e essas mudanças começam com detalhes mínimos. O conto, em si, não oferece muitas respostas e nos apresenta poucos personagens, parece mais um rascunho de idéia tirado da cabeça de alguém que tem dificuldade de lidar com a realidade e vê teorias de conspiração em todos os cantos, como era o caso de K. Dick. Por isso, fiquei surpreso com a maneira leve com a qual seu texto foi adaptado para a telona.
O filme, na verdade, usa somente a premissa de que há uma entidade burocrática que altera detalhes das vidas das pessoas para o bem da humanidade e tenta expandi-lo. Ao invés do corretor perturbado, temos um jovem candidato ao senado americano vivido por Matt Damon. Ao dominar toda as pesquisas durante a corrida eleitoral, uma matéria de um jornal mostrando-o como um bad boy irresponsável acaba lhe tirando a vaga. Momentos antes do tradicional discurso de perdedor, um encontro – e um beijo – no banheiro com uma desconhecida (Emily Blunt) lhe dá a inspiração para um discurso não convencional que só faz sua popularidade crescer e o torna aposta certa para as próximas eleições. A moça que lhe deixou uma forte impressão, no entanto, sumiu sem deixar rastro ou mesmo seu nome. Ao encontrá-la por acaso uma segunda vez, ele sabe que está apaixonado e o sentimento parece recíproco. É então que aparecem os tais agentes do destino com o propósito de não deixar este relacionamento florescer.
É óbvio que, para satisfazer mais de um dos alvos demográficos do público americano – caso você não saiba – um romance “impossível” deveria ser o centro das atenções e a grande motivação através da qual nosso herói vá quebrar todas as barreiras impostas até conseguir seu objetivo, mas eu não tinha idéia de que eles transformariam o conto de um dos maiores pessimistas do século XX em um filme de romance com pegada de ação e ficção científica para donas de casa. Isso traz pontos positivos e negativos ao filme.
O bom é que realmente há uma química entre Matt Damon e Emily Blunt e você realmente torce pelo casal, espera para ver como eles poderão ficar juntos e a que custo. O ruim é que um roteiro com alguns detalhes bobos, motivações mal explicada, clichês e momentos em que você pensa “mas ele só tinha que fazer isso ou aquilo” cansa rapidamente. Além disso, o personagem de Damon carece de mais profundidade, o único sentimento que ele parece ter durante o filme inteiro é uma obsessão por seu par romântico. E numa história onde se descobre que o mundo inteiro basicamente recebe lavagem-cerebral de uma entidade misteriosa, sua reação a tais descobertas são desprovidas de qualquer emoção ou surpresa. Para piorar, o roteiro tem a cara de pau de deixar claro que essa entidade funciona como o Céu e que os agentes são o que os humanos chamam de anjos, quando eles não interferem na humanidade, acontecem grandes guerras e momentos negros em nossa história. Pura bobagem.
Para completar, os antagonistas, os tais agentes, tem uma construção interessante, mas também esdrúxulas. O diretor parece usar os anos 50, mesma década em que o conto original foi escrito, como inspiração. Apesar de se passar no Século XXI, eles se vestem como gangsters, com seus chapéis, carregam cadernos de anotações – onde podem prever os movimentos das pessoas e até algumas de suas emoções – e não há uso de armas. É louvável que um filme desses não tenha uma única cena de explosão ou tiroteio, mas a ação e o falatório dos agentes não é nem um pouco emocionante. Entre eles estão o veterano Terence Stamp, o mal aproveitado Anthony Mackie e John Slattery, um dos poucos destaques do longa.
Os Agentes do Destino tenta ser um filme autêntico e tocante, mas o roteirista e diretor estreante George Nolfi parece não encontrar o tom certo. Evito aqui alguns dos pontos que me deixaram menos contentes – como os chapéis – para não entrar em spoilers. Enfim, não compre seu ingresso esperando por um Total Recall ou Blade Runner.
[xrr rating=2/5]
Philip K. Dick serve mesmo só para dar storylines. Os seus contos em geral são prolixos e pirotécnicos e em geral quando outra pessoa pega o extrato de suas histórias as tornam muito melhores. Blade Runner é conhecido por isso.