Os Três Mosqueteiros são figurinhas fáceis no audiovisual. Foram inúmeras as adaptações do romance histórico escrito pelo francês Alexandre Dumas. De sátira dos Trapalhões (“Os Mosquiteiros Trapalhões”, de 1980) a uma versão erótica feita em 1992, passando por animação da Disney com Mickey, Donald e Pateta e até a estrelada pela Barbie. As mais conhecidas são a de 1948, com Gene Kelly e Lana Turner, a dirigida por Richard Lester (dos filmes dos Beatles e Superman II e III), dividida em duas partes (1973/74), e a da Disney, de 1993. De lá para cá houve diversas outras produções adaptando o livro, entre elas uma bastante anabolizada com direção de Paul W.S. Anderson, de “Resident Evil”, com Milla Jovovich no papel de Milady.
“Os Três Mosqueteiros: Milady” é a segunda parte da adaptação de 2023 (iniciada com “Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan”), agora no idioma original do clássico. D’Artagnan (François Civil) está em busca de sua amada, Constance Bonacieux (Lyna Khoudri), que foi sequestrada por Henri de Talleyrand-Périgord, Conde de Chalais (Patrick Mille). Esse conde conspirou com Gaston (Julien Frison) para planejar o assassinato do Rei Louis XIII (Louis Garrel).

No caminho de D’Artagnan entra Milady de Winter (Eva Green), que revela saber onde está Constance. Determinado a encontrá-la, o jovem se une aos mosqueteiros Athos (Vincent Cassel), Porthos (Pio Marmaï) e Aramis (Romain Duris). Juntos, embarcam em uma missão para localizar Constance antes que Milady e o Cardeal Richelieu (Éric Ruf) possam executar a próxima fase de seu plano maquiavélico.
Após a impecável primeira metade da história, lançada no primeiro semestre, a segunda mantém o nível de qualidade, seja estética quanto narrativa. O diretor Martin Bourboulon segue em seu propósito de empreender uma adaptação realista e, sobretudo, francesa, com grande orçamento, procurando a fidelidade à obra original. O cineasta moderniza, mas sem perder a atmosfera de aventura clássica, adornada pela belíssima fotografia de Nicolas Bolduc e a opulenta direção de arte.

O desenvolvimento dos personagens, que já foram apresentados no longa anterior, o que permite ir mais a fundo, é fundamental para nos envolver. Mesmo mais interessado no aspecto político da trama, o diretor não trata as cenas de ação com descaso. Arrojadas e eletrizantes, estão a serviço da trama (cheia de reviravoltas) e não a motivação final. Essa dosagem torna a nova adaptação mais interessante do que a de 1993 e até mesmo do que a de Lester, criada com o intuito de ser a definitiva. O apuro no uso da câmera faz com que mesmo a constante utilização de tomadas contínuas, que pode se tornar cansativa em outras mãos, acaba sendo peculiar na abordagem para cada cena que o realizador cria, empregando essas tomadas apenas quando necessário para a evolução dos personagens na trama. Um exemplo claro é a cena em que os canhões são posicionados para atacar a fortaleza. Bourboulon interrompe a sequência, mostrando a preparação dos canhões, e logo retorna a uma única tomada assim que a explosão atinge uma construção.

A produção se apoia em um elenco irrefutavelmente bem escalado. Porém o filme peca por deixar os três mosqueteiros um tanto coadjuvantes nesta parte 2, dando a D’Artagnan e a Milady o fio condutor da trama. Porthos e Aramis são quase que relegados a uma subtrama cômica, deixando toda a carga dramática para o Athos de Vincent Cassel (que por sinal tem o dobro da idade de seu personagem no romance). Em compensação, Eva Green está soberba como Milady, figura feminina complexa da literatura de aventura que influenciou uma longa lista de mulheres ambíguas e perigosas na ficção. François Civil interpreta o D’Artagnan heroico do imaginário coletivo e ainda assim humano.

Por fim, “Os Três Mosqueteiros: Milady” cumpre com a tarefa de complementar satisfatoriamente “D’Artagnan”, mantendo a qualidade dessa adaptação, embora não seja exagero dizer que poderia haver um terceiro filme. Esse novo universo dos mosqueteiros certamente se desdobrará. A curiosa e formal, mas aparentemente sem propósito, introdução de um personagem elegante não relacionado a Dumas, chamado Hannibal (Ralph Amoussou), em La Rochelle é um indício. Certamente essa não foi a última adaptação da obra de Dumas para o cinema, mas certamente vai levar tempo para que surja uma que supere.