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Perdido Em Marte – a volta de Ridley Scott à boa ficção

Dois dos filmes de ficção científica mais importantes do cinema têm a assinatura do inglês Ridley Scott subscrita em seus títulos: “Alien: O Oitavo Passageiro” e “Blade Runner: O Caçador de Andróides”. Após 32 anos, Scott retornou ao universo do alienígena da baba gosmenta para contar seu prelúdio, “Prometheus”, que acabou sendo considerado um dos grandes equívocos da carreira do realizador. Ainda aproveitando a recente boa maré da ficção científica, com títulos como “Gravidade” e “Interestelar”, o cineasta de 68 anos que passa por uma fase profícua (são seis filmes lançados nos últimos cinco anos) se sentiu à vontade para retornar ao gênero que lhe consagrou, mas desta vez sem alienígenas, ou andróides. “Perdido Em Marte” (The Martian, EUA/2015) é uma adaptação do livro de Andy Weir publicada originalmente em 2011.

Na trama, durante uma missão tripulada a Marte, o astronauta Mark Watney (Matt Damon) é dado como morto após uma violenta tempestade e, assim, deixado para trás por sua tripulação. Mas Watney sobreviveu e encontra-se aprisionado e sozinho no planeta hostil. Contando apenas com suprimentos escassos, ele deve contar com a sua criatividade, engenho e espírito de subsistência para encontrar uma maneira de sinalizar para a Terra que está vivo. Milhões de milhas de distância, a NASA e uma equipe de cientistas internacionais trabalham incansavelmente para trazer “o marciano” de volta para casa, enquanto seus colegas de tripulação simultaneamente traçam uma ousada, se não impossível, missão de resgate.

O planeta vermelho sempre exerceu fascínio sobre nós terráqueos, até por sua proximidade, e a constante busca por vida ganhou nessa semana um importante capítulo com descoberta de água. Um belo marketing involuntário para o filme, diga-se de passagem. A produção, que tem roteiro adaptado por Drew Goddard (de “Cloverfield: O Monstro”, “Guerra Mundial Z” e a série “O Demolidor”), que a princípio dirigiria o longa, se pavimenta na linha de ficção científica realista, sem devaneios de space opera, mas ainda assim há algumas incongruências com a verossimilhança. Contudo, não é nada que chegue a violentar a lógica, e pode ser tomado como licença poética. Há suporte científico, embora bem mais superficial do que no livro, é o bastante para sustentar a trama com credibilidade.

“Perdido Em Marte” é uma super produção. Conta com elenco estelar, que inclui nomes como Damon, Jessica Chastain, Jeff Daniels, Sean Bean, Kate Mara e Chiwetell Ejiofor, tem ótimos efeitos especiais (provavelmente concorrerá ao Oscar na categoria), porém se alinha mais a um filme de arte do que a um blockbuster, o que tem se mostrado uma tendência no gênero nos últimos anos (confiram, por exemplo, “Primer” e “O Homem da Terra”). Isso fica nítido nos planos, na edição e no enquadramento, e na bela fotografia do polonês Dariusz Wolski (responsável por “Alice no País das Maravilhas”, os quatro “Piratas do Caribe” e “Prometheus”), que adorna passagens contemplativas, sem a urgência de um filme de apelo comercial.

É possível enxergar ali influências de outros filmes. Quando se fala de ficção científica séria, “2001: Uma Odisséia no Espaço” é uma perene referência, mas também é possível captar elementos sutis de “Alien”, como no design dos veículos e naves, assim como seu interior, nos uniformes da equipe e no clima claustrofóbico. Já o planeta vermelho, ambientação da trama, aqui parece o mesmo deserto de “Prometheus”, mas com outro filtro. Trocou-se o acinzentado pelo alaranjado.

Há quem também possa encontrar semelhança com filmes que tratam de um protagonista sozinho em uma condição adversa, como o já referido “Gravidade”, “O Náufrago” e “Até O Fim” do diretor J. C. Chandor. Mas a despeito das características em comum, o roteiro habilmente cria uma empatia entre o espectador e o protagonista, de forma que a plateia torça por ele e assim aumente a tensão dramática. O personagem quando tem seu drama tornado público na Terra se torna uma celebridade, como em um reality show, e os esforços para o seu resgate são acompanhados avidamente com certo sensacionalismo, enquanto a NASA estuda as viabilidades do plano.

No fim das contas, tudo acaba servindo como metáfora da luta para superar as adversidades da vida com determinação e, apesar de se revestir do aspecto de um filme mais intimista em muitos momentos, há o elemento de heroísmo típico do cinemão, tanto do protagonista quanto da equipe incumbida de tentar resgatá-lo. Na direção, temos um Ridley Scott bem menos preguiçoso do que nos últimos filmes, e se não ousa ou inova, repetindo alguns cacoetes de sua linguagem e até remetendo a outras produções, ao menos parece estar mais entusiasmado com o que se passa à frente de sua câmera, não dando a impressão de piloto automático sentida em títulos recentes.

Em suma, Perdido Em Marte é uma boa ficção científica que corrobora a boa fase por que passa o gênero, engrossando a lista dessa espécie de renascença. Ridley Scott pôde aqui se redimir do desastre de Prometheus , mostrando que 36 anos depois de Alien, ainda é capaz de contar uma boa história de ficção através de seus matizes. Pelo menos até as anunciadas continuações de Prometheus e Blade Runner serem lançadas, este será a sua referência.

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