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Sergio: filme sobre diplomata brasileiro é necessário, mas pouco inspirador

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O homem que queria salvar o mundo. Esse é o título do livro, de autoria de Samantha Power, que deu origem ao novo filme da Netflix, “Sergio”. O homem que queria salvar o mundo era Sérgio Vieira de Mello, diplomata brasileiro e alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, um homem pouco lembrado dentro de seu próprio país, e cuja cinebiografia pretende mudar esse status de ilustre desconhecido.

Tal qual “Cidadão Kane”, este filme começa pelo fim. Dezenove de agosto de 2003, à tarde, exatamente às quatro horas e vinte e oito minutos, quando um atentado ocorreu na sede da ONU em Bagdá. Ao contrário do clássico de 1941, aqui não é um terceiro elemento que desenrola o fio narrativo, mas sim o próprio protagonista. Preso aos escombros, Sérgio (Wagner Moura) se recorda de momentos marcantes.

Ao chegar em 2003 à cidade de Bagdá, recém-ocupada pelas tropas norte-americanas, ele diz à sua equipe que trabalharão para devolver, o mais rápido possível, a soberania do país ao povo iraquiano. Mas os planos dos ocupantes são outros.

Um enviado norte-americano, Paul Bremer (interpretado por Bradley Whitford), chega a dizer: “a ONU trabalha para nós, ele [Sérgio] não deveria tomar nenhuma iniciativa”. Paul, personificando o imperialismo ianque, será o antagonista. Paul não quer eleições livres no Iraque. Sérgio, em contrapartida, quer denunciar como a ocupação norte-americana viola os direitos humanos. No dia anterior à apresentação do relatório sobre essa violação, ocorre o atentado. A Al-Qaeda assume responsabilidade do atentado, mas ele certamente foi muito providencial para Bremer e toda a missão norte-americana – e não, isso não é um convite explícito para gerar teorias da conspiração.

Sérgio se recorda de muitas passagens naquela situação-limite, mas uma se destaca: sua memória o leva para três anos antes, no Timor-Leste, quando conheceu a argentina Carolina Larriera (Ana de Armas). O relacionamento deles é filmado de maneira clichê, começando com um flerte comportado, evoluindo para um primeiro beijo sob a chuva e incluindo a levemente conturbada relação de Sérgio com os filhos.

Outras missões de Sérgio são também mostradas em flashbacks dentro de flashbacks, em especial a histórica negociação para a independência do Timor-Leste.

Wagner Moura, ator e produtor da película, foi muito elogiado, inclusive pela imprensa estrangeira. O site rogerebert.com chega a dizer que este se trata de um papel dos sonhos, e Wagner está à altura do desafio. Atuando em português, inglês, espanhol e francês – e às vezes mudando loucamente entre inglês e espanhol nos diálogos com a personagem Carolina – Wagner confirma seu talento, e com o filme avança seu projeto pessoal de produzir obras sobre personalidades latino-americanas que não reforcem os estereótipos que vemos em Hollywood.

A cubana Ana de Armas tem pouco a fazer como Carolina, personagem explicitamente secundária. Sim, o título do filme é “Sergio” e tudo deve girar ao redor dele, mas ao menos algo poderia ser mostrado sobre sua companheira – que ele próprio descreveu como a moça que abandonou uma carreira promissora em Wall Street para tentar salvar o mundo.

As idas e vindas da edição, entre o atentado, o flashback e o romance, não deixam o filme confuso, mas um pouco cansativo. É assim que funciona um cérebro a mil por hora, prestes a parar de funcionar? Talvez. E talvez tenha sido esta a intenção de roteirista e editora – esta, a brasileira Cláudia Castello.

O diretor Greg Barker já havia feito o documentário “Sergio” em 2009, também sobre Sérgio Vieira de Mello. O documentário foi a história contada de maneira objetiva, agora era a vez de contar a mesma história de maneira subjetiva – ou “focar o lado emocional”, como diz o diretor. Uma escolha curiosa e humanitária do diretor foi empregar refugiados como figurantes.

Greg Barker e Wagner Moura

Há quem defenda que os fatos retratados no filme representaram o fim de uma era para a ONU. Nos últimos anos, vimos cada vez mais críticas à organização, algumas infundadas, outras não, e um crescente movimento que inclusive pede a extinção da ONU. Neste sentido, “Sergio” e sua narrativa de sucesso no Timor-Leste traz de volta os dias de glória da ONU e, como esperam alguns profissionais da área, apresentam, mas não glamourizam, a profissão de diplomata.

O brasileiro tem uma necessidade intrínseca, quase patológica, de criar e endeusar heróis. Sérgio tem vários traços de herói, em especial sua capacidade de se conectar com as pessoas do povo. Como o diretor resume: “ele vê o mundo com muita clareza, mas não consegue se ver com clareza”. E arremata: “precisamos, mais do que nunca, de pessoas como Sérgio”. Mas talvez não precisemos de filmes como “Sergio”: produções pouco inspiradas sobre pessoas inspiradoras.

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