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“A mulher dos olhos de gelo”, de Chrysanthème, aborda feminicídio nos anos 30

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“A humilhação, a cólera, a revolta, flamejavam dentro de mim, e na intenção de também me acalmar e refletir sobre o meu ato forço-me a escrever o relato da minha vida e a que, será a sua próxima finalidade, porque, positivamente, não resistirei à prisão” 

Trecho do livro

O assassinato da esposa por um capitão do Exército é a premissa de “A mulher dos olhos de gelo” (Janela Amarela Editora, 124 págs.) de Chrysanthème, pseudônimo da jornalista e escritora carioca Cecilia Moncorvo Bandeira de Mello Rebello de Vasconcellos.  Narrando o pesar de um marido encarcerado que tenta justificar o ato criminoso culpando a vítima pelo mal-estar do casamento, a autora constrói um retrato impactante da sociedade da época, expondo o machismo e a misoginia ainda tão presentes nos dias atuais. Publicada originalmente em 1935, a obra ganha agora sua primeira reedição, noventa anos depois. A Janela Amarela — editora dedicada a recuperar a obra de autoras brasileiras invisibilizadas — aposta neste relançamento para reafirmar a importância das vozes femininas no debate de temas considerados tabus no início do século 20.

Dividido em 19 capítulos, “A mulher dos olhos de gelo” se inicia com a visita do médico Jorge Cavalcanti à cadeia, onde está preso o amigo e protagonista da trama, Maurício de Alencar, condenado pelo assassinato da esposa. No cárcere, o detento entrega ao visitante um diário em que relata, de sua perspectiva, o tratamento perverso e vexatório que recebia da esposa Helena e de seus familiares — mãe, irmão e irmã. Em sua defesa, o protagonista alega não se lembrar de como cometeu o crime. O mistério é intensificado pelo tom condescendente do relato, que parece buscar a empatia do leitor e o leva a questionar se o ex-militar realmente executou o assassinato.

A narrativa se passa na cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, durante os anos 1930 — cenário de uma elite conservadora e profundamente patriarcal. Nesse contexto, Chrysanthème demonstra acuidade ao retratar um homem frágil, sem força moral ou maturidade emocional, que se apoia em sua posição de poder — como homem, como militar — para vitimizar-se.

Página após página, o leitor se depara com a atualidade incômoda da obra: quase 100 anos após sua primeira publicação, a sociedade e a opinião pública ainda tratam casos de assassinato entre cônjuges, sobretudo quando o autor é o marido, com complacência, oferecendo o benefício da dúvida e sustentando a tese do “crime passional”, que desqualifica e silencia as mulheres.

Escrita crítica, desafetos e apagamento

Cecilia Moncorvo Bandeira de Mello Rebello de Vasconcellos nasceu em 1869 na cidade do Rio de Janeiro, onde também faleceu, em 1948, aos 79 anos. Segunda de sete irmãos, casou-se aos 19 anos e teve um filho. Com a morte do marido, aos 38 anos, passou a escrever para sustentar a família. Assim como a mãe, adotou um pseudônimo para evitar os julgamentos e preconceitos enfrentados pelas mulheres da época. O nome escolhido, Chrysanthème, remete à obra “Madame Chrysanthème”, do escritor francês Pierre Loti, muito popular à época.

Começou a escrever em 1907 e atuou por quase 40 anos no jornalismo, colaborando com pelo menos uma dúzia de jornais e revistas. A professora e pesquisadora Maria de Lourdes de Melo catalogou cerca de 1500 crônicas escritas pela  Chrysanthème ao longo desse período. 

Com uma escrita afiada e crítica, especialmente em relação ao papel subordinado da mulher na sociedade burguesa da época, Chrysanthème abordou temas espinhosos como assédio sexual, adultério, homossexualidade e suicídio. Suas posições firmes e seu estilo provocador lhe renderam diversos desafetos públicos, entre eles o escritor Lima Barreto e o político Rui Barbosa. Ainda assim, sua ousadia e talento encantaram outras personalidades, como o cronista João do Rio, que a classificava como “legendária e desconcertante”.

Na literatura, publicou ao menos 18 obras, entre folhetins, romances, livros infantis e peças de teatro. Assim como em suas crônicas, seus livros tratavam de temas incômodos e tabus. Uma de suas estratégias para atrair a atenção do público era escolher títulos impactantes. Foi o caso de “Matar!”, em 1927, que ganhou uma reedição da Janela Amarela, assim como outras duas obras de  Chrysanthème, “Flores Modernas”, e agora, o relançamento de “A mulher dos olhos de gelo”.  

A reedição de obras de autoras brasileiras dos séculos 19 e 20 é o principal foco da editora Janela Amarela, cujo catálogo já inclui nomes como Júlia Lopes de Almeida, Ignez Sabino, Albertina Bertha e Nísia Floresta. A inclusão de Chrysanthème é especialmente significativa diante da dificuldade de acesso às suas obras — muitas delas sequer tiveram uma segunda edição. Resgatar e dar visibilidade a esses livros é, portanto, uma ação fundamental e urgente.

Confira um trecho do livro (pág. 18): 

“E eu experimentava, nesse momento, funda sensação de desprezo pelos tribunais humanos, de psicologia insuficiente, contra a morta, segundo a opinião pública, minha vítima, e contra a sua família, cuja perseguição, inclemente e… católica, me reduzira ao que era. Gritavam todos que eu assassinara barbaramente minha esposa, não querendo compreender que se realmente, tal crime eu praticara, tão em desacordo com meu temperamento e o meu passado, fora inconscientemente, sem querer, numa natural e instintiva reação contra aquilo que constituíra o horror da minha desgraçada existência”.

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