A observação do cotidiano por meio de contos sobre relações afetivas, dilemas sociais e conflitos interiores são abordados em “Conto ou não conto?” (editora Paraquedas), de Ana Helena Reis, por meio da hibridez nos formatos e temas ao longo da obra. A autora intercala os 34 contos, misturando aqueles com assuntos leves e nostálgicos, com outros mais profundos e densos, buscando equilíbrio e fluidez na obra. Alguns dos temas percebidos nos contos são o medo, a indignação, o preconceito, o amor, o envelhecimento, a intolerância e as desigualdades.
Ana Helena Reis tem 73 anos e nasceu em São Paulo, capital. Ela se define como pesquisadora do comportamento humano, investigadora de si mesma, escritora do cotidiano e ilustradora de devaneios. Conta com uma carreira profissional consagrada: formada em administração de empresas pela EAESP/FGV e mestre pela FEA/USP, é empresária, já publicou diversos livros acadêmicos, papers e trabalhos de pesquisa. Também conta com uma extensa vida acadêmica, tendo sido professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) na Faculdade de Economia e Administração durante 15 anos.
Sua área de especialidade em pesquisa é comportamento do consumidor – a observação, investigação e análise do comportamento das pessoas sempre foi um fascínio. Ponto importante para a criação do livro “Conto ou não conto?”, pois lhe ajudou a criar um olhar mais crítico e apurado para os acontecimentos diários.
Embora escreva desde sempre, vide seus “diários infindáveis” da adolescência, começou a dedicar-se com mais afinco à literatura em 2019, quando passou a publicar contos, crônicas e resenhas no blog Pincel de Crônica. Foi esse blog, cujo nome faz referência à pintura, sua outra paixão, que deu substância para a criação do livro, também influenciado por autores que consome: cronistas e contistas como Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector e Luís Fernando Veríssimo; e, de forma mais ampla, Saramago e García Marquez.
Confira a entrevista completa com a autora:
Quais são os temas centrais do livro?
O livro é uma coletânea de contos variados, que tem como fio condutor o meu olhar sobre situações cotidianas que podem despertar memórias afetivas e reflexões. De uma forma às vezes irônica e divertida, outras vezes dramática ou surpreendente, desperta o leitor para os conflitos interiores que enfrentamos, como o medo, a indignação, o preconceito, o amor, o envelhecimento, a intolerância, as desigualdades, entre outros.
Se fosse escolher três temas, eles seriam: relações afetivas, dilemas sociais e conflitos interiores.
Por que você escolheu esses temas?
Escolhi esses temas porque creio que eles fazem parte dos nossos questionamentos, nossos sentimentos muitas vezes inconfessos. A ideia foi criar ficções que permitissem, no subtexto, gerar reflexões importantes para os leitores. Para isso, escolhi contos que pudessem abarcar uma diversidade grande de narrativas, tanto na temática como na forma.
O que motivou a escrita do livro e qual foi o processo de escrita?
Venho escrevendo contos e crônicas há tempos, diria que em torno de dois anos, e armazenando no meu blog Pincel de Crônica. Chegou uma hora que achei que já tinha um material interessante para um livro de contos (depois pretendo fazer o mesmo com as crônicas), e senti que esse era o momento de dar um passo à frente, com a minha primeira publicação literária.
O processo de escrita do livro foi rápido, menos de seis meses. Como já tinha os contos, o trabalho foi de escolha do que caberia nesse livro, uma leitura crítica inicial e depois a contratação da editora.
Como sempre, uni o texto à ilustração. Na conversa com a editora decidimos que eu colocaria uma seleção das minhas ilustrações na capa e miolo. Escolhi um formato que me encanta que é o do traço único, trabalhei nas ilustrações e seguimos em frente.
Por que escolher o gênero “conto”?
Porque alguns motivos – um pequeno conto é um desafio, pois ele tem que desenvolver em uma lauda ou duas uma narrativa completa: dar personalidade aos personagens, contar uma história, desenvolver o conflito de forma coerente, e isso me atrai.
Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Acho que uma característica da minha escrita é deixar uma mensagem aberta o suficiente para que cada leitor extraia daquele conto aquilo que despertou em si o sentimento mais forte, a reflexão mais engajada com a sua realidade.
Para dar um exemplo, um conto aparentemente singelo como “Looping” envolve questões como o pânico, o sentimento maternal, o companheirismo entre um casal, a capacidade de rir de nós mesmos e de nossas fragilidades…então vai depender de cada leitor qual dessas mensagens ecoa de maneira mais forte.
O que esse livro representa para você?
O inesperado. Depois de uma longa carreira profissional, com a publicação de livros acadêmicos, papers, enfim, toda uma história de escrita voltada ao trabalho de pesquisa de mercado, não imaginava que a vida me proporcionasse a oportunidade de dar essa guinada para a escrita literária.
Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma? Por quê?
A escrita de contos está sendo muito transformadora para mim. Criar personagens e situações de ficção é como uma catarse de tudo o que foi sendo acumulado nas minhas lembranças afetivas, porque o escritor, mesmo quando trabalha com a ficção, está colocando uma parte de si naquele texto. Isso acredito que é muito libertador e fez fluir muitos guardados da minha caixa de pandora.
Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?
Estou começando a coletar as crônicas para uma nova coletânea, e o projeto de 2024 é trabalhar em uma narrativa longa, que já venho estruturando há tempos. É um romance ficcional, baseado na figura da “meiga” (como eram chamadas as bruxas na mitologia da Galícia) e sua atuação como benfeitora para a comunidade de mulheres solteiras que se aventuravam a ter filhos… Estou dando muito spoiler!
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