Alguns livros nos enganam. Sua sinopse nos diz que iremos ler uma história completamente diferente daquela que nos é dada. Esperamos certas características por conta dessa prévia, talvez por um certo preconceito, devo dizer. Com O Retorno, romance de Victoria Hislop lançado pela editora Intrínseca, é assim. Esperei um livro água com açúcar que explora unicamente os sentimentos e universos femininos e acabei lendo uma trama intensa repleta de traumas e tristezas. Logo, foi um engano bom.
Sonia Cameron é inglesa, com seus 30 e poucos anos. Infeliz no seu casamento, encontra na dança um apoio para aturar os dias no trabalho e o seu marido em casa. Em uma viagem com sua melhor amiga para Granada, na Espanha, Sonia pretendia apenas se divertir, aprender o ritmo alegre da salsa e voltar para a Inglaterra com mais técnica para suas aulas semanais. Porém, um encontro em um antigo café com o seu dono a atrai para o flamenco e para a história de uma família que viveu na cidade durante a Guerra Civil Espanhola. E é aqui que a história “sai” da vida de Sonia e vai para o relato histórico de uma guerra que deu fim a milhares de vida.
Victoria destina a maior parte do livro à família Ramirez. Pablo, Concha e seus quatro filhos surpreendem o leitor com a emocionante da vida espanhola, com sentimentos expressados com ardor e um grande amor pela cidade. Seus filhos são bem diferentes uns dos outros, e a autora transmite a intensidade de cada personalidade. Antonio, o mais velho, é o erudito da casa; Ignácio é o altivo, toureiro exímio e orgulhoso; Emílio é quieto, retraído e homossexual; Mercedes, a caçula, uma das melhores dançarinas de flamenco que Granada já viu. Os conflitos sempre existiram entre pessoas tão distintas, mas a família sempre prevaleceu às discussões. Porém, essa força não se manteve, e laços foram cortados conforme Franco e os nacionalistas invadiam as cidades da Espanha.
O livro mostra os horrores da Guerra Civil, sendo narrados ao leitor através dos olhos da família Ramírez. Os bombardeios, a queda de cidade a cidade, a procura incessante pelas pessoas queridas sendo desviada pelos conflitos horríveis pelos quais os filhos de Concha e Pablo presenciavam. Victoria relata de forma surpreendente cada aspecto frio dessa guerra, não poupa suas personagens das tragédias e mostra através delas o destino que muitos espanhóis tiveram depois da invasão nacionalista no país, onde partidários e opositores sofreram quase que igualmente. É incrível o poder que a autora deu para a dança, abordagem que não tão forte nas quando o foco estava sobre Sonia. Victoria demonstra como a música e os passos precisos das dançarinas faziam os espanhóis esquecerem do conflito pelo qual passavam e, ao mesmo tempo, afirmarem as tristezas e perdas que sofriam.
O Retorno pode ser resumido em uma palavra: intenso. Nas descrições da narradora, na força de suas personagens e nas características que identificam o povo espanhol. No fim, não importa o que liga Sonia aos Ramírez ou todos os seus conflitos deixados na Inglaterra enquanto escuta o dono do café relatar toda a dor pela qual Granada passou. O que interessa é o desenvolvimento do livro, a história dos Ramírez, a forma com que Victoria resgatou a Guerra Civil e a levou para um romance. O Retorno é um livro que emociona na maioria de seus capítulos.
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