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Três perguntas a Lucas Verzola, autor de “Em Conflito com a Lei”

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Lucas Verzola lançou em Dezembro de 2016 o livro de contos Em Conflito com a Lei pela Editora Reformatório. Antes tinha lançado pela Editora Patua, São Paulo depois de horas 2014 finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2013/2014. Formado em Direito pela USP, trabalha atualmente no Gabinete da vice-previdencia do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Tem contos e poemas publicados em revistas e jornais literários. Lucas está finalizando seu terceiro livro de contos e fará, em fevereiro de 2017, a curadoria de uma revista literária chamada Lavoura. Confira a entrevista com o escritor.

1 – Como esta ideia de um livro sobre jovens infratores da Fundação Casa chegou a você?

A ideia de escrever um livro sobre adolescentes em conflito com a lei, estando eles encarcerados ou não, surgiu da percepção de dois fenômenos: um decorrente da minha atuação profissional e outro como consequência da minha vivência literária.

O primeiro é a constatação na prática de algo que muito se menciona: a existência de filtros nas mais diversas relações sociais que selecionam um determinado perfil de jovens para o sistema socioeducativo. São invariavelmente pobres, moradores de periferia, com trajetória escolar conturbada, amparo familiar insuficiente. Não se trata de uma “receita de infrator”, mas de circunstâncias que geralmente pressupõem a prática tida como infracional e não poucas vezes são ignoradas no debate. Perdeu-se de vista a compreensão de que por trás de cada crime há um conflito. E é por esses conflitos que me interesso.

O segundo é a noção da escassez da temática no campo literário contemporâneo – agora remeto ao já célebre estudo da professora Regina Dalcastagnè sobre os personagens nos romances brasileiros publicados entre 1990 e 2004 em três das principais casas editoriais do país. A pesquisa dá conta de provar que o perfil dos personagens é extremamente próximo ao dos autores (em sua maioria, homens, brancos, de classe média), o que demonstra não só o egocentrismo do escritor brasileiro como também a falta de representatividade de determinados grupos.

2 – Seus contos baseados nos relatos dos jovens da Fundação casa estabelecem um importante formato que não deriva tanto do jornalismo, mas sim de uma estrutura ficcional com toda a recriação do universo linguístico e cultural destes jovens. Como foi estruturar os contos a partir deste trabalho de depoimentos e coletas?

A questão central deste projeto em específico foi alçar esses jovens à categoria de protagonistas, tentando ao máximo afastar os traços caricaturais que geralmente são usados quando eles são (sub-)representados artisticamente. Por óbvio, a minha vivência é diferente da dos personagens desse universo retratado e, embora eu não acredite que a experiência direta seja a única forma de conhecer profundamente uma realidade, isso implica a necessidade de um trabalho prévio muito sólido para sustentar a produção literária propriamente dita. Além do contato direto e indireto com jovens envolvidos em conflitos sociais, li muitos textos escritos por eles. A partir daí já tinha material suficiente para as minhas narrativas. Se o conflito é entregue de bandeja pra você, o que resta é o ofício de talhá-lo para transformá-lo em texto literário. Alguns dos contos abrangem o conflito na íntegra, outros são iniciados in medias res, muitos deles se encerram antes da solução e outros tantos são fragmentos que apenas dão pistas sobre um conflito em potencial. Mas nenhuma solução é aleatória, há sempre uma intencionalidade que permeia a narrativa e serve para dar seu tom. Como já disse, esta obra é bastante política, mas estética não pode simplesmente ser soterrada pela militância.

3 – O que poderia se fazer de reflexão sobre estes menores infratores: não uma literatura de nicho, mas algo que pudesse trazer ao debate temas como evasão escolar, famílias desassistidas pelo poder público. Como os meios de comunicação poderiam tirar do nicho para um debate mais amplo no campo da ficção, gerando mais mídias escritas e visuais. Você acha que já foi feito? E como deveria ser feito?

A compreensão da criação literária que tenha como mote a realidade desses adolescentes como literatura de nicho é reflexo do silenciamento estrutural de que eles são vítimas. Quase sempre são tratados como objetos de análise – muitas delas superficiais – e poucas vezes como sujeitos capazes de ditar o próprio destino. A grande resposta para isso é ouvi-los mais, lê-los mais, interessar-se por aquilo que eles têm a dizer – e é muita coisa! Há diversas iniciativas culturais de jovens de periferia, não necessariamente envolvidos em conflitos com a lei, e é só ir atrás. A mais recente delas de que tive notícia é a antologia bilíngue “Letras e Becos”, organizada por Amanda Prado e Michel Yakini. Um meio de comunicação que sempre acompanho é a Agência Mural, que começou como uma parceria do programa de treinamento da Folha de S.Paulo com moradores das periferias da região metropolitana de São Paulo. O principal, na minha perspectiva, é tentar ouvi-los sempre que alguém disser algo sobre eles. Toda vez que alguém de fora faz uma análise, cruze as conclusões com as opiniões dos verdadeiros envolvidos. No ano passado, com as eleições municipais, vi muitos textos procurando “o motivo da periferia ter abandonado o Haddad” ou “as razões do morro ter preferido o Crivella ao Freixo”, mas poucos deles se propuseram a ouvir os próprios interessados. Deveria ser o contrário.

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