Música

Com status de dinossauro, o Guns N’ Roses promove celebração roqueira no Rio

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Fotos: Katarina Benzova

Há 24 anos, o Guns N’ Roses desembarcava no Brasil para shows em São Paulo e no Rio de Janeiro. Naquele dezembro de 1992, Axl Rose, Slash, Duff McKagan, Matt Sorum, Gilby Clarke e Dizzy Reed se apresentaram no então longínquo Autódromo de Jacarepaguá. Quem se aventurou em se deslocar até lá (na época não tinha BRT) presenciou o fim de uma era.

Aquele foi o último show no Brasil antes do racha na banda. Era o fim da Use Your Illusion Tour, uma exaustiva turnê mundial de divulgação do álbum duplo de 1991 e o desgaste era evidente, apesar de estarem no auge. O clima entre os integrantes já não era dos melhores. Axl falava com o resto da banda apenas por meio de assessores. Isso se refletiu em um show meio desleixado, que não chegou a ficar na memória.

Dê um salto no tempo e pulamos para 2016. Um cenário bastante diferente se desenha. Em um menos longínquo Engenho de Dentro (com esquema especial da Supervia e do Metrô Rio) Axl, Slash e Duff sobem ao palco juntos depois de 23 anos e, com status de dinossauros do rock, entram em campo com a partida ganha. A metáfora futebolística procede, pois, além de o show ter se dado em um estádio de futebol, o clima era de uma torcida vendo dois craques retornando ao seu time de coração.

Desde o ano passado corriam rumores sobre uma volta da formação original do Guns. Na verdade, acabou sendo a volta o trio de atacantes (mais referências futebolísticas). O guitarrista e fundador Izzy Stradlin e o baterista original Steven Adler ficaram de fora. O segundo até faz participações esporádicas. Na Argentina, terra de sua esposa, ele deu uma canja. Matt, substituto de Adler, que ficou a cargo das baquetas no auge da banda, também não voltou.

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Dando apoio à trinca principal estão dois integrantes da banda que acompanhava Axl, o guitarrista Richard Fortus e o baterista Frank Ferrer. Além deles estão Dizzy (que nunca deixou o grupo) nos teclados e percussão e a novata Melissa Reese no teclado e, eventualmente, na função de backing vocal. Mas ainda assim, é o mais próximo que se pode ter dos áureos temos. Essa inclusive é uma das voltas mais improváveis do rock, ficando atrás apenas da dos Beatles e do The Smiths. Foram 20 anos de insultos trocados entre Axl e Slash via imprensa. Não à toa, a turnê se chama “Not In This Lifetime” (não nesta vida, em tradução literal).

Vale ressaltar que algumas coisas mudaram nesses 24 anos. Axl não usa mais aquele modelito que consistia apenas em uma bermudinha de lycra com a bandeira dos Estados Unidos estampada. A idade e a silhueta já não permitem. Também não dá mais ataques, nem para mais o show por qualquer motivo e, pasmem, não atrasa.

O início estava marcado para as 20h30. Eram 20h48 quando as armas do logo da banda no telão começaram a fazer disparos estrondosos e logo em seguida ecoou no sistema de som o tema dos Looney Tunes que antecede o início dos shows da turnê.  Para quem chegou a atrasar 3 horas, é uma evolução e tanto. Outro ponto que pôde ser observado é que Slash ainda ostenta a cabeleira e sua indefectível cartola, mas o cigarrinho no canto da boca já não é mais visto. O guitarrista parou de fumar há algum tempo.

Os trabalhos se iniciaram com ‘It’s So Easy’, do primeiro (e melhor) álbum do GNR, “Appetite For Destruction”. Em seguida, veio outro clássico do mesmo disco, ‘Mr. Brownstone’. Apesar de a turnê marcar a volta do guitarrista e baixista, houve espaço para músicas do disco “Chinese Democracy”. Foi justamente durante a concepção desse que os integrantes originais debandaram. A faixa-título foi a terceira do setlist, e até empolgou alguns fãs de primeira hora. É interessante ver como a guitarra de Slash consegue abrilhantar as pouco inspiradas músicas do álbum de 2008. Na sequência, outro clássico: o hino ‘Welcome to the Jungle’, entoado por praticamente todo o Engenhão.

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O repertório foi bastante equilibrado, mesclando lados b (como ‘Double Talking Jive’, a épica ‘Coma’ e ‘Out Ta Get Me’), covers (entre eles ‘Live and Let Die’, de Paul McCartney) e, claro, hits (‘You Could Be Mine’, ‘Paradise City’ e ‘Sweet Child O’ Mine’ não podiam faltar).

Se alguém tinha alguma dúvida de que Slash é a razão de essa ser a turnê mais lucrativa de 2016, bastava ver a quantidade de meninos e meninas trajando camiseta com a caricatura de caveira do guitarrista, usando réplica da icônica cartola. Cada vez que empunhava sua Gibson Les Paul arrancava gritos de delírio. A execução do tema d’ “O Poderoso Chefão” que dava a deixa para o riff de ‘Sweet Child O’ Mine’ provocou uma verdadeira catarse nos presentes.

Também foi muito aplaudido no solo da que veio a seguir, ‘Yesterdays’, que andava sumida ultimamente. É interessante o entrosamento de Slash com Fortus, que chega até a dividir alguns solos, ou criar o efeito vasos comunicantes. Izzy e Clark se limitavam apenas à base. Duff também foi bastante aplaudido, principalmente quando executou o cover dos Misfits, ‘Attitude’, que ele tocava ao vivo há 24 anos.

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Axl por sua vez parece ter calçado a sandália da humildade e aceitado o papel quase que de coadjuvante, apesar de ser juridicamente o dono da marca. Depois de desgastar sua imagem com excesso de peso, limitações vocais e apresentações pífias à frente de uma banda inexpressiva, teve que literalmente suar para não ser eclipsado pelos ex-companheiros. A voz está muito melhor do que das últimas vezes, sobretudo em relação àquele deprimente show no Rock In Rio de 2011. Ainda que algumas notas saiam meio desbotadas, a perda de peso (que deu mais fôlego) e as aulas de voz, que pela primeira vez ele topou fazer, surtiram algum efeito.

A forma menos arredondada deu inclusive disposição para que arriscasse umas corridinhas no palco e rodopios com pedestal como nos velhos tempos. Contudo, um de seus melhores momentos na noite foi sem usar a voz, ao piano executando o segmento final de ‘Layla’, de Eric Clapton, que sucedeu um belo dueto instrumental dos guitarristas com ‘Wish You Were Here’ do Pink Floyd e antecedeu a baladona ‘November Rain’ (que, ao contrário de São Paulo, não se fez literal no Rio).

Axl ultimamente a tem executado com um certo enfado e ontem não foi diferente, apesar da constelação de luzes de celular no estádio e das bolas de ar vermelhas no gargarejo. Não se sabe se é porque evoca lembranças da ex (a modelo que se “casa” com ele no clipe da música) ou se simplesmente se encheu da música e só toca mesmo por obrigação. Mas Slash estava lá com seu solo matador (disparada a melhor coisa da música), garantindo o brilho.

Logo depois, é a vez da música de Bob Dylan que foi incorporada ao repertório da banda. ‘Knocking on Heaven’s Door’ foi tão bem apropriada pela banda que muita gente conheceu a versão do Guns antes da de Dylan. O rockão ‘Nightrain’ fechou a parte regular do show. Na volta, uma competente versão de ‘The Seeker’ do The Who, que a banda vem executando atualmente. Mas antes, o público pedia mais uma rock balad, e fora atendido com ‘Don’t Cry’.

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Para encerrar, veio a apoteose com ‘Paradise City’, efeitos pirotécnicos e fãs, antigos e novos, de alma lavada, depois de tantos anos de espera. No protocolo de despedida teve Slash agitando uma bandeira do Brasil (mais aplausos, óbvio) e Axl voltando com um chapeuzinho de cangaceiro que certamente compraram para ele na feira dos nordestinos em São Cristovão.

Esse novo (velho) Guns apresenta a configuração clássica da banda veterana cuja música atravessou gerações, e agora os mais jovens podem ver aquilo que só era possível em DVD (ok, Youtube). A maturidade fez bem aos rapazes e assim como Rolling Stones, Paul McCartney e U2, agora fazem show jogando para a plateia, apoiados pela força do repertório já enraizado na cultura roqueira e por uma megaestrutura de palco (que até lembra a configuração do que fora usado na Use Your Illusion). Não há muito espaço improvisos ou novidades, mas também não há risco de encerrarem a apresentação no meio e se retirarem por algum chilique ou presepada de Axl, como acontecia vez ou outra. Nesse reencontro, a palavra de ordem é celebração. Esse é o intuito da turnê.

Setlist:

It’s So Easy

Mr. Brownstone

Chinese Democracy

Welcome to the Jungle

Double Talkin’ Jive

Better

Estranged

Live and Let Die (cover de Paul McCartney)

Rocket Queen

Out Ta Get Me

You Could Be Mine

Snippet de You Can’t Put Your Arms Around A Memory (Johnny Thunders)/Attitude (cover de Misfits) – Duff McKagan nos vocais

This I Love

Civil War/Snippet de Voodoo Child (Jimmy Hendrix)

Coma

Band intros into Slash solo – Speak Softly Love (Love Theme From The Godfather/Andy Williams) 

Sweet Child O’ Mine

Yesterdays

Jam: “Wish You Were Here (Pink Floyd)/Layla”(Eric Clapton) 

November Rain

Knockin’ on Heaven’s Door (cover de Bob Dylan)

Nightrain

Bis:

Jam: Babe I’m Gonna Leave You (cover de Led Zeppelin)/Don’t Cry

The Seeker (cover de The Who)

Paradise City

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