Quarenta e um anos se passaram desde que Phil Collins veio ao Brasil pela primeira vez à frente do Genesis. Na ocasião, a banda acabara de passar por uma mudança. Peter Gabriel havia saído e o então baterista passou a ser o frontman. Durante essas quatro décadas especulou-se uma nova visita do Genesis e também um show solo, mas os boatos nunca se confirmavam e o público brasileiro continuava a ver navios. Phil só desencantou agora, depois de abandonar a aposentadoria e dar uma espécie de saideira para os fãs. Com sequelas deixadas por um processo cirúrgico, o hit maker inglês fez um show limitado às suas atuais possibilidades. Mas isso não pareceu ter incomodado os empolgados fãs que compareceram ao Maracanã mesmo com ameaça da forte chuva que por sorte não caiu. O repertório, como se esperava, flanou por seus sucessos indeléveis e alguns clássicos de seu antigo conjunto.
Um aquecimento e tanto…
A abertura foi de luxo. Quem se encarregou de aquecer a plateia foi o Pretenders. Quem deixou para chegar apenas a tempo da atração principal perdeu um showzaço. Às 20h em ponto (horário marcado para a apresentação) Chrissie Hynde e Cia adentravam o palco para iniciar um set poderoso de 15 músicas, iniciado com ‘Don’t Cut Your Hair’, seguida da clássica ‘Talk of the Town’. Mas o público só reagiu mesmo na terceira música, o hit ‘Back on the Chain Gang’. Como não estavam tocando para seu público, ‘Message of Love’, ‘Alone’ e ‘Hymn to Her’ – em uma versão bem próxima da do acústico de 1995 (voz e órgão) – não receberam a devida atenção. Muitos presentes preferiram garantir uma ida ao banheiro, comprar cerveja ou mandar mensagem de WhatsApp.
A radiofônica ‘I’ll Stand By You’ recuperou as atenções, e depois do belo cover de Bob Dylan ‘Forever Young’, a banda voltou a ter o público nas mãos com ‘Don’t Get Me Wrong’ e ‘Middle of the Road’. ‘Brass In Pocket’, outra essencial, encerrou o show sem causar muito entusiasmo na plateia. Apesar do som não estar exatamente ideal, pode-se dizer que foi um show impecável. Chrissie Hynde do alto de seus 66 anos empunhando uma guitarra nervosa é bonito de se ver. E sua voz não deixa nada a dever aos tempos áureos. Definitivamente merecíamos ver uma apresentação do Pretenders como banda principal. Na torcida que isso ocorra em breve.
Ainda não morri
Depois de tanto tempo de espera era mesmo compreensível que o público visse o fato de Phil Collins se locomover com a ajuda de uma bengala e realizar o show inteiro sentado como mero detalhe. Nem se pode culpar a idade. Chrissie Hynde, que deixara o palco meia hora antes é apenas oito meses mais nova e esbanjou vigor. Na verdade Phil deslocou uma vértebra no pescoço durante a turnê de reunião do Genesis em 2007 que afetou os nervos da mão. Submeteu-se a uma cirurgia em 2015 e ficou com sequelas. Portanto, tocar piano nunca mais. Bateria nem pensar. Curado do alcoolismo (que se agravou depois da separação da esposa, com quem já reatou) e se recuperando de uma fratura no pé, não é de se estranhar o sugestivo nome da turnê: “Not Dead Yet” (ainda não estou morto).
No entanto, se falta movimentação em cena, sobram hits. E foi com um de seus maiores, ‘Against All Odds’, que se iniciaram os trabalhos. Na sequência, mais um grande sucesso da carreira, ‘Another Day in Paradise’. Duas faixas não muito conhecidas do grande público se sucederam: ‘I Missed Again’, do primeiro disco, “Face Value”, e ‘Hang in Long Enough’, de “…But Seriously”, de 1990. Após ‘Wake Up Call’, do disco “Testify”, de 2002, a fase Genesis foi lembrada em uma bela dobradinha: ‘Throwing It All Away’, do auge do período pop da banda, e a clássica ‘Follow You Follow Me’, do primeiro disco com Phil nos vocais. Nessa última o telão mostrou cenas de várias épocas do conjunto, desde a fase Peter Gabriel até a reunião de 2007.
Uma coisa se deve ressaltar: é uma pena não poder vê-lo na bateria. A tristeza bate forte em ‘In the Air Tonight’. A imagem do cantor de posse das baquetas, comandando aquela virada matadora no meio da música, infelizmente fica apenas na memória. Tudo bem que no posto está seu filho Nic, de apenas dezesseis anos. Ele já demonstra talento, mas ainda precisa ganhar mais estrada. Quem sabe em alguns anos não se equipara ao pai? Já a voz, na maior parte do tempo é satisfatória, embora ele se poupe de algumas notas. Uma banda afiada fornece o suporte. São seus velhos colaboradores Leland Sklar no baixo, o guitarrista Daryl Stuermer (que também era músico de apoio do Genesis) e Ronnie Caryl no violão e guitarra. Isso além de um belo naipe de metais e um time competente de backing vocals. Uma delas faz um belo dueto com o artista na música ‘Separate Lives’.
Na reta final, foi uma sequência de hits. ‘Dance Into the Light’, faixa título dos disco de 1996, a terceira e última do Genesis da noite, ‘Invisible Touch’, ‘Easy Lover’ e ‘Sussudio’, com direito a explosão de confetes. No bis, ‘Take Me Home’ encerrou a noite. Foi um show mais curto do que os realizados no ano passado na Europa. Dezessete músicas contra 21 por lá. Como o repertório de sucessos do artista é vasto, os presentes certamente sentiram algumas ausências, como ‘One More Night’, ‘Two Hearts’ e ‘Do You Remember’. ‘I Know What I Like’, da fase Genesis ainda com Peter Gabriel, poderia ter entrado.
Por fim, Phil Collins mostrou que apesar de suas limitações, consegue encantar o público a bordo de seus clássicos light FM. Comparando com registros de turnês passadas, fica claro que os áureos tempos ficaram para trás. Mas o showbiz precisa prolongar ao máximo a vida útil dos artistas dos remanescentes da época de vacas gordas da indústria fonográfica. São eles que vendem ingressos caros. Para o público, saudosista e nostálgico, o que mais vale mesmo é a emoção. Afinal, não é todo dia que um dos maiores compositores de sucessos da História aporta por aqui.
*Foto: R7